O volume de ações que tramitam na Justiça brasileira exige que os magistrados sejam mais que julgadores e agreguem capacidade de gestão de equipes e processos organizacionais. Só em Santa Catarina, foram ajuizados dois novos processos por minuto na Justiça de 1º grau, de janeiro a outubro de 2018, num total de 880 mil novas causas. Os dados foram apresentados em dezembro pelo Tribunal de Justiça. Como reflexo desse aumento, os magistrados têm cada vez mais cobranças por produtividade.
Em 2018, o saldo foi positivo: o número de julgamentos superou em 18% o número de ações ajuizadas no ano. Como isso foi possível? Qual a fórmula aplicada pelos juízes para superar o volume de trabalho? As condições são adequadas? Respostas para essas perguntas foram obtidas junto aos magistrados apontados no relatório do TJSC como os mais produtivos do Estado. Para apontar os líderes nesse ranking, o TJ considerou o equilíbrio nos critérios de produtividade e de complexidade dos processos analisados pelos magistrados. Por exemplo, causas da área cível tiveram maior peso do que ações de execução fiscal, consideradas menos complexas. Assim, não necessariamente figuram entre os mais produtivos os juízes que apresentaram o maior volume de julgamentos, mas, principalmente, os que decidiram causas mais complexas e em maior número.
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Nasce o juiz-gestor
Para dar conta das tarefas de julgar e também administrar as varas, é necessário que os magistrados dominem diversos saberes e competências que não se relacionam com o conhecimento jurídico. Destacam-se nesse contexto conhecimentos de informática, gestão de processos organizacionais e gestão de pessoas.
O juiz Rafael Steffen da Luz Fontes, titular da 3ª Vara Cível de Araranguá, com atuação na Família, Infância e Juventude, Sucessões e Juizado Especial Cível comprova isso. Ele avalia que o juiz dos tempos atuais precisa de conhecimentos de gestão de pessoas e de gabinete, mas que o volume de trabalho não oferece tempo livre para a especialização na área. Como alternativa, buscou leituras sobre o tema, nas horas de folga, que contribuíram para a eliminação de atitudes negativas na liderança da equipe e para a inserção de práticas que motivam e geram bons retornos dos colaboradores.
O papel de gestor fica claro também na ação do juiz Gustavo Schwingel em sua passagem pela Comarca de São Francisco do Sul, que buscou a especialização dos servidores de gabinete e do cartório, com orientação. “Não há como dissociar a atuação de hoje como a de um administrador. O tempo nunca é suficiente para o trabalho. Não se logra melhorias sozinho. É essencial a implementação de sistemas e ferramentas com a atuação de todos os servidores e juízes em uma harmonia que é aprimorada continuamente”, avaliou o magistrado, agora promovido para a 4ª Vara Criminal da Comarca de Joinville.
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Na Vara Criminal da Comarca de Brusque há 16 anos, o juiz Edemar Leopoldo Schlösser, credencia a este tempo de permanência na unidade o alcance de bons índices de produtividade, assim como o comprometimento, dedicação e concentração no trabalho. Ele ressalta que uma equipe reduzida mas engajada e com espírito de grupo alcança ótimos resultados, mas que o volume de trabalho é desumano e há necessidade de melhorar a estrutura de gabinete e de pessoal no cartório. “De nada adianta o magistrado impulsionar com celeridade os processos se o cartório não tiver estrutura humana para dar conta do cumprimento dos comandos e decisões judiciais”, concluiu.
A juíza Graziela Shizuiho Alchini reduziu o acervo da Vara Regional Bancária de Jaraguá do Sul, de 10.259 para 8.323 ações em pouco mais de um ano e meio. A unidade com competência em matéria específica atende às comarcas de Guaramirim, Barra Velha, São Francisco do Sul, Araquari, Garuva e Itapoá e as atividades de cartório ficam a cargo da Divisão de Tramitação Remota – DTR Bancária. Graziela diz, porém, não ser possível abrir mão da atualização constante e contínua, tanto do magistrado quanto de toda a equipe. “A informática trouxe muitas soluções que auxiliam na agilização de procedimentos, mas há melhorias que ainda precisam ser implementadas nos sistemas utilizados”, acrescentou.
Na 2ª Vara Cível da Comarca de Caçador, o juiz Rafael de Araújo Rios Schmitt mantém o sistema gerencial baseado na triagem processual, com metas e modelos pré-definidos e movimentação vinculada, conforme orientação da Corregedoria-Geral da Justiça. Um trabalho específico, porém, foi a realização de mutirão de conciliação de execuções fiscais, com aproximados 1.250 processos pautados.
O titular da 3ª Vara Criminal de Chapecó, juiz Gustavo Emelau Marchiori, tem sob sua responsabilidade 3.644 execuções penais em andamento e uma equipe de 8 auxiliares de cartório e 7 auxiliares de gabinete, dentre servidores, assessores e estagiários. Filho de administrador de empresas e economista, o magistrado fez um curso gratuito oferecido pelo Tribunal na área de gestão de pessoas e processos. “Evidente que tais conhecimentos são adquiridos com algum prejuízo pessoal, pois realizado geralmente fora do horário de expediente, mas o resultado compensa o esforço”, avalia. Marchiori acredita que a gestão é essencial no âmbito do Judiciário. “As medidas implementadas aqui em Chapecó, com exceção da digitalização – que envolveu equipe do TJSC, deslocada e com pagamento de diárias -, foram feitas com custo zero”, afirmou.
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