Agente da Paz faz levantamento e confirma venda de soda cáustica sem restrições em supermercados


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Levantamento foi organizado pelo Projeto Agente da Paz, da AMC

Em outubro de 2006, a garota Fernanda Noronha – de três anos – faleceu após tomar água em uma caneca com restos de soda cáustica esquecida no chão de um dos banheiros da creche municipal Sementes do Amanhã, de Balneário Camboriú, por uma das funcionárias. Apesar do acidente ter deixado a sociedade da cidade litorânea perplexa, levantamento realizado pelo projeto “Agente da Paz” mostra que a substância tóxica continua com sua venda liberada a crianças nos supermercados do município. Comissários da Infância e da Juventude e Conselheiros Tutelares da comarca entrevistaram gerentes de 21 supermercados e constataram que em 100% dos casos não há restrições legais contra a venda do produto a jovens e que não há nenhuma orientação da Vigilância Sanitária quanto à exposição, venda ou compra do material.

Todos os estabelecimentos de Balneário Camboriú consultados vendem a soda cáustica, e em 70% deles a substância fica exposta em prateleiras de fácil acesso – na parte baixa das estantes ou no chão –, ao alcance das mãos de qualquer criança. O levantamento comprovou a facilidade de um jovem adquirir o material ao verificar que em 45% dos supermercados os gerentes assumiram que vendem o produto a menores sem qualquer restrição.

A constatação da ausência de regulamentação fez a coordenadora do “Agente da Paz”, juíza Sônia Moroso, encaminhar um ofício à direção estadual da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pedindo providências contra o problema. “Não é certo que produto tão maléfico possa ser vendido em todos os supermercados, sem qualquer orientação legal preventiva, estando em lugares de fácil acesso a qualquer criança”, anotou a magistrada. Para a juíza, trata-se de um caso de saúde pública, e não apenas de “uma situação pontual e fatídica, já que inúmeros são os casos de seqüelas irreversíveis ou mesmo óbito por ingestão do produto [soda cáustica]”.

O problema repercutiu também no círculo político catarinense, com a criação do Projeto de Lei 265.2/07 pelo deputado estadual Edson Piriquito (PMDB). A iniciativa, apelidada de “Lei Fernanda”, pretende regulamentar a venda da substância em Santa Catarina. Para Piriquito, além da garota três anos, “muitas outras crianças e adolescentes são vítimas de atos descuidados ou propositais (…) por ingestão de produtos corrosivos ácidos ou alcalinos”, e a “utilização desses produtos em estabelecimentos de ensino, ou mesmo dentro das residências, sem qualquer critério técnico, é responsável por inúmeras ocorrências de perigo de morte”, relata o parlamentar. O Projeto de Lei está tramitando na Assembléia, mas ainda não tem data definida para ir a votação em plenário.

Repercussão do acidente

O acidente com a garota Fernanda Noronha na creche Sementes do Amanhã ocorreu no dia 17 de outubro do ano passado. A caneca com soda cáustica encontrada pela menina foi deixada no chão de um dos banheiros da instituição por uma funcionária responsável pela limpeza do local.  Fernanda ingeriu o produto e faleceu após passar 15 dias internada no Hospital Universitário Pequeno Anjo, em Itajaí – cidade vizinha a Balneário Camboriú.

Após a fatalidade, sete funcionários foram afastados temporariamente e a responsabilidade pela tragédia foi investigada através de sindicância. A secretária municipal de Educação, Silvia de Mello, disse na época que tratou-se de “um caso isolado, um acidente, [que] o município não compra esse tipo de produto [soda cáustica], nem similares com esta substância, e o que estava lá foi comprado pela coordenação da creche, que foi afastada”.

Uma nova coordenadora foi então contratada para a Sementes do Amanhã e a Secretaria de Educação reiterou que as 40 unidades de ensino do município deveriam solicitar o serviço de profissionais para resolver problemas de manutenção e limpeza – recomendação não seguida no caso da garota Fernanda. Na época, a Secretaria disponibilizava para as creches uma empresa de manutenção, através de contrato, para casos como o de entupimentos de canos. A unidade em questão já tinha sido atendida outras vezes pela empresa, antes deste episódio.

Na Justiça, a Prefeitura da cidade foi condenada a indenizar em R$ 800 mil os pais da vítima. A juíza Adriana Lisboa, da Vara da Fazenda Pública da comarca de Balneário Camboriú, condenou o Município ao pagamento do montante como forma de reparação por danos morais ao casal Fernando Noronha e Lindamara Cruz. A Prefeitura foi sentenciada ainda ao pagamento de R$ 1,9 mil por danos materiais e mais R$ 85,3 mil equivalente à pensão mensal variável que os pais teriam direito entre os 14 e os 65 anos de idade da menina.

De acordo com a magistrada, ficou comprovado que houve o descuido das servidoras da instituição. “A funcionária da creche aplicou o produto sem as cautelas devidas, usando para medir o produto uma caneca idêntica àquelas usadas pelas crianças da creche nas refeições, deixando-a no banheiro das crianças que fica na própria sala de aula”, afirmou.

A sentença foi proferida em maio deste ano. Por se tratar de condenação contra órgão governamental, a matéria será revista pelo Tribunal de Justiça.

Soda Cáustica

Conhecida popularmente como soda cáustica, a substância tem o nome científico de Hidróxido de Sódio. O produto é usado na indústria química na fabricação de papel, tecidos e detergentes. Devido ao seu poder corrosivo, o material passou a ser amplamente utilizado na limpeza de canos e tubulações de residências.

A soda cáustica possui ação corrosiva sobre os tecidos da pele, olhos e mucosas. O contato com a pele ou os olhos causa queimaduras graves, podendo resultar em cegueira permanente no segundo caso. A inalação causa irritação nas vias aéreas superiores, ocasionando tosse, sensação de engasgo, queima da garganta e edema pulmonar. Já a ingestão da substância traz graves danos ao sistema gastrointestinal, como queimaduras de alto grau no esôfago e estômago.

Ao contrário do senso comum que recomenda a indução do vômito em casos de ingestão do produto, as medidas de primeiros socorros necessárias para a redução dos danos desqualifica a prática. Ao vomitar, a soda cáustica percorre novamente parte do sistema digestivo, duplicando os danos na traquéia e garganta, por exemplo. O procedimento correto é fazer a vítima beber uma grande quantidade de água para haver a diluição da soda cáustica – além de manter a pessoa em local ventilado e providenciar socorro médico imediatamente.

Fonte: Assessoria de Comunicação Social da AMC

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