AMC publica artigo de Luiz Flávio Gomes sobre a redução da maioridade

01/03/2007

toxicos060OKLuiz Flávio Gomes durante debate na AMC, em 2006

A Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) divulga a todos os magistrados o artigo “Redução da Maioridade Penal”, do doutor em Direito Penal e presidente da rede de cursos LFG, Luiz Flávio Gomes. O autor critica a tese da redução da maioridade, que, para ele, tem forte apelo popular mas é “incorreta, insensata e inconsequente”.

“Redução da maioridade penal”
Por Luiz Flávio Gomes

A tese da redução da maioridade penal (hoje fixada em dezoito anos) é incorreta, insensata e inconseqüente. Mas também é certo que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não conta com razoabilidade quando fixa o limite máximo de três anos de internação como regra geral e inflexível. Essas duas posturas extremadas devem ser evitadas.

Embora conte com forte apoio popular, a proposta de redução da maioridade penal para 16 anos ou menos deve ser refutada, em razão sobretudo da sua ineficácia e insensibilidade. Se os presídios são reconhecidamente     

faculdades do crime, a colocação dos adolescentes neles (em companhia dos criminosos adultos) teria como conseqüência inevitável a sua mais rápida integração nas bandas criminosas organizadas. Recorde-se que os dois grupos que mais amedrontam hoje o Rio de Janeiro e São Paulo (Comando Vermelho e PCC) nasceram justamente dentro dos nossos presídios.

Uma coisa é a prática de um furto, um roubo desarmado etc., outra bem distinta é a morte intencional (dolosa), especialmente quando causada com requintes de perversidade. Para o ECA, entretanto, tudo conta com a mesma disciplina, isto é, em nenhuma hipótese a internação do infrator (que é medida sócio-educativa voltada para sua proteção e também da sociedade) pode ultrapassar três anos (ou sobrepor a idade de 21 anos).

Casos chocantes e aberrantes como os que vêm ocorrendo nos últimos tempos não deveriam nunca conduzir a um perigoso e eletrizante clamor midiático e demagógico, que emocional ou desesperadamente propugna pela adoção de medidas radicais e emergenciais, como se fosse imprevisível e inesperada a violência juvenil.

Esses agudos e críticos momentos exigem, na verdade, maior ponderação, mesmo porque de medidas paliativas e pouco eficazes (como foi e é a lei dos crimes hediondos, por exemplo) o brasileiro já está exausto. Ninguém suporta o engano e a fraude que geraria mais uma alteração legislativa que sempre promete solução para todos os males decorrentes da estado de violência endêmica, mas que na verdade nunca resolve nada.

Com o advento da Convenção da ONU sobre os direitos da criança, que foi subscrita por mais de 180 países (incluindo o Brasil), não há dúvida que se transformou em consenso mundial a idade de 18 anos para a imputabilidade penal. Mas isso não pode ser interpretado, simplista e apressadamente, no sentido de que o menor não deva ser responsabilizado pelos seus atos infracionais.

No imaginário popular brasileiro difundiu-se equivocadamente a idéia de que o menor não se sujeita a praticamente nenhuma medida repressiva (a mídia sempre se encarregou de cumprir esse nefasto papel). Isso não é correto. O ECA prevê incontáveis providências sócio-educativas contra o infrator (advertência, liberdade assistida, semiliberdade etc.). Até mesmo a internação é possível (e “internação” nada mais significa que “prisão”), embora regida (corretamente) pelos princípios da brevidade e da ultima ratio (última medida a ser pensada e adotada). A lei concebe a privação da liberdade do menor, quando se apresenta absolutamente necessária.

De qualquer modo, em se tratando de menor absolutamente desajustado, que revela grave defeito de personalidade inconciliável com a convivência social, não parece haver outro caminho senão o de colocá-lo em tratamento especializado, para sua recuperação.

Não é preciso, evidentemente, chegar à solução dada por alguns países no sentido de punir o menor como se fosse um maior. Não parece aceitável, de outro lado, remeter o menor para o Código Penal; muito menos transferi-lo para os cárceres destinados aos adultos quando completa 18 anos. Não basta ademais, para se adotar medidas mais contundentes, a mera grave ameaça à pessoa (que faz parte da essência do roubo). Para isso o ECA já prevê a internação. Moderação e equilíbrio é tudo o que se espera de toda medida legislativa.

Mas ao menor com grave desvio de personalidade e que tenha causado a morte intencional e violenta de alguma pessoa, não parece haver outro caminho senão o do tratamento adequado, que não poderia durar mais de dez anos. Pequenos ajustes no art. 112 do ECA poderiam retratar essa alteração. Com isso se conclui que, quando absolutamente necessário e razoável, devem ser extrapolados os limites de três anos de internação ou dos 21 anos de idade.

A proposta de alteração legislativa sugerida, de qualquer maneira, embora possa ser tida como razoável, não é de modo algum suficiente. Faltam investimentos e decisões políticas e sociais que possam proporcionar ao jovem pautas de valores aceitáveis. Resta sempre saber até quando estamos dispostos a pagar com nossa vida a negligência de toda sociedade brasileira com o problema do “menor”.

O autor

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do Instituto Panamericano de Política Criminal (IPAN), consultor, parecerista, fundador e presidente da Cursos Luiz Flávio Gomes (LFG) – primeira rede de ensino telepresencial do Brasil e da América Latina, líder mundial em cursos preparatórios telepresenciais.

Fonte: Jus Navigandi, nº 1338

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