Vara do Tribunal do Júri da Capital: agilidade nos julgamentos ajudou a diminuir número de homicídios

Considerada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2014, como a unidade com a menor taxa de congestionamento do País, a equipe da Vara do Tribunal do Júri da comarca de Florianópolis, comandada pelo Juiz Paulo Marcos de Farias, segue focada na meta de tentar ampliar (ou ao menos manter) o número de julgamentos em 2015. Todo o esforço para dar agilidade e efetividade à tramitação dos processos, aliás, tem garantido não só reconhecimento como também contribuído para a redução no número de homicídios na Capital, conforme reconhecem os membros do Ministério Público e a própria Polícia Civil.

Na origem do sucesso está, principalmente, a especialização da unidade, ou seja, tais índices somente estão sendo alcançados graças à criação de uma Vara com competência exclusiva para julgar os crimes contra a vida, tentados ou consumados, os quais são submetidos, conforme a lei, ao julgamento pelo Tribunal Popular. O maior número de casos é disparado o de homicídio. De cada 100 júris, apenas um deles é de natureza diversa, como o infanticídio (mãe que mata o filho em estado puerperal após o parto), induzimento, instigação e auxílio ao suicídio ou aborto. Eventualmente, a unidade também julga outros tipos de crimes, mas somente quando essas infrações são conexas. Aliás, tem surgido com certa frequência o julgamento do crime de corrupção de menores, pois vários homicídios estão sendo assumidos por adolescentes, caso em que, comprovado o contrário, o júri julga os dois crimes (homicídio e corrupção de menores a assumir ilegalmente a autoria).

O Juiz Paulo Marcos de Farias explica que a unidade da qual é titular cuida de todas as fases, que vai desde a investigação, deflagrada pelo inquérito policial ou auto de prisão em flagrante; a instrução, quando é ofertada e recebida a denúncia, com apresentação de defesa, audiência até a decisão que pode pronunciar o réu (decidir que ele será julgado pelo Tribunal do Júri), absolvê-lo sumariamente (dizer desde logo que ele é inocente) ou impronunciá-lo (quando não há provas que remetam o réu para o júri). Por fim, é realizada a sessão de julgamento do Tribunal do Júri propriamente dita.

Rotina na Vara

A Vara do Tribunal do Júri da Capital foi instalada em fevereiro de 2009, pelo então presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC), Desembargador Francisco José Rodrigues de Oliveira Filho. Farias, que assumiu a unidade em 2011, ressalta que a iniciativa foi de grande importância e contribuiu sobremaneira para que os resultados pudessem surgir. Ele lembra que, até 2009, todos os processos envolvendo crimes contra a vida eram de competência da 1ª Vara Criminal, cujo Juiz tinha sob a sua responsabilidade, por exemplo, inúmeros casos de homicídio e também outros tipos de crime, como furto, roubo, uso e tráfico de entorpecentes, crimes de trânsito, entre outros. Em razão disso, o TJ/SC resolveu criar uma Vara com competência exclusiva para julgar os crimes afetos ao Tribunal do Júri.

A referida Vara começou com 600 processos e hoje possui em seu acervo apenas 160, considerando ações penais e inquéritos policiais. A equipe é formada por 11 pessoas – sete no cartório, sendo cinco servidores mais dois estagiários; e no gabinete, uma assessora e mais três estagiários. “E de lá para cá, foi feito um trabalho buscando dar um pouco mais de efetividade aos julgamentos, razão pela qual, felizmente, os resultados começaram a surgir. Mas, o ponta pé inicial foi, sem dúvida, a instituição de uma Vara com competência exclusiva”, assinala o Magistrado.

Em média, são realizadas por mês de 8 a 12 sessões do Júri. Todas as terças e quintas-feiras normalmente têm sessão. As segundas e sextas-feiras ficam reservadas para a realização de audiências. E nas quartas-feiras, quando é possível, também se faz sessões. A cada fim de mês, a equipe define a pauta de júris do mês posterior ao subsequente (ex.: em agosto, define-se a pauta do mês de outubro).

A manutenção desta pauta também tem contribuído muito para os bons índices de produtividade. Nos últimos três anos, com a colaboração e participação direta do Juiz de Direito Marcelo Meirelles, que esteve por mais de um ano à frente da unidade pela atuação de Farias no Superior Tribunal de Justiça (STJ), foram realizadas quase 300 sessões: 2012, com 82 sessões; 2013, 93 sessões; e 2014, com 110 sessões. No primeiro semestre de 2015 foram feitas 38 sessões. “A meta é aumentar ou pelo menos manter a média de julgamentos, reduzindo acervo e não tendo processos pendentes para 2016”, pontuou o Juiz Paulo Marcos de Farias.

Os números são realmente impressionantes e estão muito acima da média nacional. Os processos estão sendo levados a julgamento em no máximo um ano após o acontecimento dos fatos. Em outras comarcas, esse prazo não raro supera cinco anos ou mais. Não por acaso, o trabalho feito pela Vara do Tribunal do Júri da Capital foi reconhecido nacionalmente em 2014, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) premiou a unidade por ter a menor taxa de congestionamento entre as congêneres em todo País, com uma média de um julgamento a cada dois dias.

Graças a esse esforço, somado ao trabalho conjunto, envolvendo as Polícias Civil e Militar, o Ministério Público e a Defensoria Pública, verificou-se uma redução no número de homicídios na Capital, fato reconhecido pelos próprios Delegados de Polícia, segundo o Magistrado. “Acredito que essa combinação entre descoberta do crime, denúncia e julgamento em curto espaço de tempo tem sido fundamental para a diminuição no número de homicídios em Florianópolis. Isso se deve tanto ao trabalho realizado lá na ponta pela polícia, quando da descoberta de autoria, quando ocorre o homicídio, com a denúncia rápida pelo MP, e depois pelo Judiciário do 1º e 2º graus, que faz a primeira fase em um curto espaço de tempo, vai ao TJ e volta rapidamente, em seis meses, o que é um prazo considerado muito razoável, é que tem permitido alcançarmos essas estatísticas positivas”, diz.

Pelo Estado

A realidade da Capital, no entanto, não existe em outras comarcas do Estado. Existem varas do Tribunal do Júri em Joinville, Criciúma e Blumenau, mas estas também são responsáveis por outros processos. Com competência exclusiva, somente em Florianópolis. “Pela experiência que tivemos aqui, acredito que a criação de novas varas com competência exclusiva é algo que merece um estudo mais aprofundado. Agora, é o Tribunal quem tem melhores condições de avaliar se há demanda suficiente que justifique a criação de uma vara com competência exclusiva em determinada comarca”, comenta.

Paulo Farias admite que já há discussões no sentido de se criar varas com abrangência regional, tese essa que encontra alguns pontos controvertidos, entre eles, o fato de que a lei que rege o Tribunal do Júri diz que os casos devem ser julgados pela comunidade do local onde ocorreu o crime. Portanto, não teria como o Tribunal do Júri de São José julgar um crime ocorrido em Palhoça, por exemplo. Outra possibilidade, aventada pelo próprio Magistrado, é a criação de uma estrutura para abrigar uma Vara Metropolitana do Tribunal do Júri. Neste caso, a sede ficaria na Capital (a vara voltaria a ter cerca de 600 processos, exigindo ao menos dois Juízes com dedicação integral) e o julgamento seria feito no município onde ocorreu o crime, com o deslocamento de toda a equipe que iria atuar na sessão.

O Tribunal do Júri

O Juiz Paulo Marcos de Farias comenta que, hoje, a duração de um julgamento pelo Tribunal do Júri diminui significativamente. Isto porque houve, em 2008, uma mudança no Código de Processo Penal (CPP), que tornou o júri mais enxuto, sobretudo na parte em que se votava os quesitos, que era justamente a mais complexa. “Hoje temos sistema de gravação, em que todo o júri é gravado. Com relação ao tempo de duração, isso é algo relativo, pois depende do número de testemunhas; da manifestação do promotor; da defesa, a réplica e a tréplica e depois a votação. Mas, em geral, um júri de um acusado dura entre quatro e seis horas. Quando tem mais de um acusado, aí leva de oito a 10 horas. Os nossos julgamentos começam às 9 da manhã, para que a sessão não ingresse no período da noite”, explica.

Na Capital, como de resto em todo o Estado, os crimes de homicídio ainda são maioria nos julgamentos. E na maioria das vezes, eles estão relacionados ao tráfico de drogas. No Oeste e na região serrana, por exemplo, o número de mortes por brigas também é alto. Houve, ainda, um crescimento no número de homicídios relacionados aos crimes de trânsito (rachas e embriaguez, etc.). Nos casos em que o indivíduo alcoolizado provocou o acidente, que resultou na morte da vítima, a regra tem sido o entendimento de que houve o dolo eventual. “Nestes três anos que eu estou aqui já recebi uns 15 casos em que se apontou o dolo eventual e, pelo que eu me lembro, nenhum deles foi desclassificado”, sublinha. Entre os casos mais conhecidos, estão o de um sujeito que dirigia embriagado e jogou o carro em cima de várias pessoas que participavam de uma festa do curso de Arquitetura na UFSC; um jogador de um dos times da Capital, que também, supostamente alcoolizado, provocou acidente com mortes na Via Expressa Sul, caso que ainda aguarda julgamento.

O magistrado considera a instituição do Tribunal do Júri importante e acha que ela tem funcionado a contento. “Os jurados fazem a justiça que, às vezes, ao juiz não é permitido fazer”, atesta. Ele ilustra essa afirmação com um caso que julgou no ano passado: “era o caso de uma senhora, que tinha um filho e o pai não pagava pensão. Ela teve uma relação com um outro sujeito que ela não lembra e acabou engravidando. O que ela fez? Ela foi ao Paraguai, comprou e tomou um remédio chamado Citotec, que acabou provocando o aborto. Teve uma hemorragia, foi parar no hospital, que por sua vez fez a denúncia ao MP (o hospital tem a obrigação de denunciar). Ela foi processada, foi à júri. Aborto, está na lei, é crime. Tinha tudo: materialidade, confissão dela. Tudo bem, um Juiz poderia defender outros valores, outros princípios, aplicar o Direito Alternativo e absolvê-la. Mas o júri é soberano, de modo que absolve ou condena sem precisar dizer por que razão, diferente do Juiz, que precisa fundamentar a sua decisão”, relatou.

Para Farias, os jurados, em algumas ocasiões, podem errar, mas, na maioria das vezes, eles acertam. “E essa questão de dizer que o jurado não é preparado hoje está superada, pois a maioria tem formação. A mídia, de certa forma, pode até influenciar o jurado, mas é diferente do que acontecia antes, quando o risco de ser facilmente convencido pelo promotor ou advogado de defesa, mesmo que sem fundamentos, era muito maior, hoje os jurados decidem de acordo com a consciência deles. Dificilmente eles são ‘enrolados’. A meu ver, o Tribunal do Júri ainda é uma instituição que faz justiça e não precisa ser repensado, pois está funcionando bem”, aponta.

 

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