Audiência de Custódia estará na pauta do Simpósio de Direitos Humanos

A Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) e a Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina (ESMESC) promovem, no próximo dia 22 de agosto, às 9h, no auditório da AMC, em Florianópolis, o I Simpósio de Direitos Humanos. Entre os temas em debate estará o projeto que trata da Audiência Custódia. Pela proposta, toda pessoa que for presa em flagrante deve ser apresentada ao Juiz em prazo curto, normalmente de 24 horas, oportunidade em que se verifica a necessidade de manutenção do encarceramento ou a possibilidade de aplicação de medida cautelar alternativa.

Além do tema Audiência de Custódia, também estarão em pauta no Simpósio os seguintes assuntos: Sistema Interamericano de proteção dos Direitos Humanos e o Brasil: impacto e desafios; e Direitos Políticos e sua interpretação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O encontro contará com palestras de Flávia Piovesan, Doutora em Direito Constitucional (PUC/SP) e Procuradora do Estado de São Paulo; Jayme Weingartner Neto, Doutor em Instituições de Direito do Estado (PUC/RS) e Desembargador (TJRS); e Marcelo Ramos Peregrino Ferreira, Mestre em Direito (PUC/SP) e Advogado em Santa Catarina. Informações e inscrições (gratuitas): www.esmesc.org.br.

Audiência de Custódia

O projeto “Audiências de Custódia” foi lançado experimentalmente em São Paulo, em fevereiro deste ano. Desde então, o programa já reduziu o número de prisões provisórias no Estado. Em Santa Catarina, o projeto começará a funcionar neste mês, logo após a assinatura do convênio entre o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em evento programado para o próximo dia 24 de agosto, que contará com a presença do Ministro Ricardo Lewandowski. A implantação será feita de forma gradativa, começando na comarca da Capital, sob a responsabilidade do Juiz Marcelo Volpato de Souza, a quem caberá coordenar as audiências.

Na Magistratura, o tema divide opiniões. As manifestações, a favor e contra as audiências, levam em conta, respectivamente, a necessidade de obediência às regras no que toca à garantia dos direitos dos presos como também a preocupação com a falta de estrutura para implementação do programa.

Entrevistas

Com o intuito de aprofundar o debate sobre o projeto “Audiências de Custódia”, a Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) apresenta dois pontos de vista distintos, oriundos de Magistrados do nosso Estado.

Confira, abaixo, as entrevistas:

 

Juiz Joarez Rusch, da comarca de Lages

 

AMC – Qual a sua posição sobre o projeto “Audiência de Custódia”?

Juiz Joarez Rusch – O projeto de Audiência de Custódia é mais uma tentativa de remendo para sanar falhas conhecidas do sistema. O CNJ e o Supremo Tribunal Federal indicam que a medida visa resolver o problema do déficit de quase 230 mil vagas no sistema penitenciário e os demais defensores apontam tal como necessário para a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos além de assegurar os direitos do preso, no sentido de apreciação da legalidade da prisão. Com toda certeza o problema do déficit de vagas no sistema prisional não decorre de prisões irregulares, buscando-se, assim, imputar a culpa aos Magistrados, mas sim de vários outros fatores, em especial, o aumento de criminalidade e a falta de mecanismos efetivos para refrear tal situação.

De outro norte, quanto à possibilidade de que nesta audiência o preso poderá denunciar eventual excesso ou tortura, parte-se da premissa de que todos os demais integrantes do sistema Estatal, Polícia Militar, Delegado de Polícia, Defensores e Ministério Público, não são aptos, são coniventes ou autores de excessos, e que o Juiz, talvez incumbido de um Poder Divino, possa, num passe de mágica, solucionar a questão, o que me parece bastante improvável. Por exemplo, caso o preso aponte que foi agredido indevidamente durante a prisão, não existe nenhum meio, a não ser um inquérito policial para apurar o caso, salvo a realização de uma verdadeira audiência de instrução e julgamento, o que é completamente inviável. Observe-se que até a presente data o direito mais básico quando da prisão, que é a presença de um Advogado, não é cumprido, sendo substituído por uma declaração, quase padrão, de que o preso abre mão deste direito. Se partirmos do princípio que esta declaração não é verdadeira e que é preciso um Juiz como único possível de dar credibilidade a prisão, o problema realmente é bem maior.

A legalidade da prisão pode ser auferida por outros meios, sem a necessidade do contato pessoal com o preso, que pode, em muitas situações estar num estado físico e emocional debilitado, mas dever-se-ia inicialmente cobrar a retidão de todos os envolvidos, e como o foco central reside na dúvida sobre a lisura dos procedimentos policiais, a ação obrigatória do Advogado quando da prisão, sem possibilidade do preso abrir mão deste Direito Constitucional, e com efetiva possibilidade de intervenção, além de um Ministério Público atuante e focado na necessidade ou não da prisão, sem prejuízo de exercício concreto do Controle Externo da Atividade Policial, se mostram mais interessantes, para somente então, nos casos remanescentes, haver a intervenção do Juiz. Sem isto, o projeto da Audiência de Custódia, impõe a todos os demais membros da ação Estatal uma condição secundária, retirando ainda mais a sua responsabilidade e relevância, centrando no Juiz como única peça necessária. Por fim, seria interessante que esta cópia de sistemas Judiciais diversos, alcançasse a possibilidade de negociação direta de pena, sendo que neste caso então, teríamos uma efetiva utilidade na audiência, ou seja, uma pronta solução.

AMC – SC possui estrutura adequada para a implantação do projeto?

Juiz Joarez Rusch – As pequenas Comarcas não possuem a mínima estrutura, tanto de pessoal, não somente do Judiciário, mas de Agentes para condução do preso, pessoal para segurança e mesmo Defensores, como física, para a realização da audiência de uma forma efetiva e segura. Não se pode esquecer que os plantões são regionais, o que incluiria grandes deslocamentos entre o local da prisão e a localização do Magistrado, do Promotor de Justiça e Defensor Público, sendo que se sabe que estes últimos sequer atuam em todas as Comarcas. Nas Comarcas maiores, com certeza seria possível, em algum local provisório, pois é conhecido o problema de espaço nos Fóruns, mas ainda sim persiste o prejuízo pela maior necessidade de pessoal, pois dois Policiais Militares, no mínimo, para segurança com certeza farão falta no policiamento ostensivo, entre outros.

AMC – Quais os resultados práticos, sejam eles positivos ou negativos, que SC pode colher, caso o projeto seja implantado no Estado?

Juiz Joarez Rusch – Não vejo grandes resultados, em qualquer direção, com a implantação da dita audiência, salvo, negativamente, o evidente aumento de custo. No Estado de Santa Catarina existe, já atualmente, uma avaliação efetiva acerca da necessidade da prisão, tanto que os Magistrados catarinenses sistematicamente são alvo de críticas por concessão indevida de liberdade aos presos, e um sistema regular na apreciação dos abusos. O fato de o Juiz ver o preso não irá trazer nenhum benefício concreto ao sistema atual.

 

Juiz Alexandre Morais da Rosa, da comarca da Capital

AMC – Qual a sua opinião sobre o projeto “Audiência de Custódias”?

Juiz Alexandre Morais da Rosa – A iniciativa é muito importante e alinha-se com a necessária convencionalidade que deve guardar o processo penal brasileiro, adequando-se ao disposto no artigo 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) que determina: “Toda pessoa presa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora à presença de um Juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em um prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”. A audiência de custódia representa um grande passo no sentido da evolução civilizatória do processo penal brasileiro e já chega com muito atraso, mas ainda assim sofre críticas injustas e infundadas.

Enfim, não há porque temer a audiência de custódia, ela vem para humanizar o processo penal e representa uma importantíssima evolução, além de ser uma imposição da Convenção Americana de Direitos Humanos que ao Brasil não é dado o poder de desprezar.

AMC – Qual a sua análise sobre o uso da videoconferência?

Juiz Alexandre Morais da Rosa – Em alguns estados americanos a audiência de custódia é feita por videoconferência. Essa modalidade encontra ainda certa desconfiança, dadas as condições de pressão que podem ocasionar no estabelecimento penal. Existe a possibilidade de um Defensor permanecer no local de custódia e participar conjuntamente do ato ou mesmo de um estar com o conduzido e outro na sala de audiências. Não podemos dizer que sempre será possível. Entretanto, com as devidas garantias, parece-nos viável não como regra, mas exceção. Assim, cai por terra a histeria de que muitos policiais serão obrigados a se deslocar no transporte do conduzido ao juízo.

Em prisões acontecidas fora do Estado de origem do conduzido ou mesmo quando deseje contratar um Defensor que não tenha domicílio no mesmo Estado ou comarca, o uso da tecnologia poderá garantir que a escolha por profissional de sua confiança se efetive. Daí a importância da tecnologia, usada sem receios e com cuidados, em diversos locais do mundo, garantida a entrevista prévia com o defensor.

Entendo, também, que deve ser exceção e justificada, nos mesmos moldes do artigo 185, parágrafo 2º, do CPP. É que o impacto humano do contato pessoal pode modificar a compreensão. Não podemos é banalizar o uso da videoconferência, sob pena de matar um dos principais fundamentos da audiência de custódia: o caráter humanitário do ato, a oportunidade do contato pessoal do preso com o seu Juiz.

AMC – Qual o futuro das audiências de custódia no Brasil?

Juiz Alexandre Morais da Rosa – A base normativa é aplicável no Brasil e a audiência de custódia já é uma realidade em diversos Tribunais. A resistência de alguns é mais do que esperada. Também precisamos de um tempo para acomodação das condições materiais. Entretanto, a audiência de custódia é um caminho sem volta. Efetiva o contraditório, a transparência e o controle efetivo de todos os atos, garantindo-se todos os envolvidos.

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