Desembargador aposentado Álvaro Wandelli perde sua “pequena-gigante”

Ondina Doin Vieira Wandelli veio ao mundo em 21 de maio de 1938 e partiu na madrugada de segunda-feira, dia 1º de dezembro, aos 76 anos, como enigma de uma mulher maior que ela mesma. Esta pequena-gigante, onda de energia e luz, guardava no corpo pequeno, frágil e delicado, uma grandiosidade e coragem infinitas. Sua vontade de viver será para sempre um mistério que não se explica para a legião de amigos que fez por onde passou. Formada em História pela antiga Faculdade de Filosofia da UFSC, Ondina trabalhou durante 30 anos como funcionária da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, nomeada para o cargo efetivo de escriturária e datilógrafa ainda com 18 anos. 

Acompanhando o marido na carreira de juiz pelo interior de Santa Catarina, o poeta e desembargador aposentado Álvaro Wandelli Filho, amor inseparável de toda uma vida, Onda alastrou sua personalidade cativante por todo o Estado. Morou em oito cidades diferentes, onde lecionou e fez trabalhos nos fóruns de comarca e em instituições sociais. Em todas elas – Orleans, Xaxim, Sombrio, Ouro-Capinzal, Xanxerê, Jaraguá do Sul, Tubarão, Florianópolis – fez amizades de uma vida inteira e tornou-se inesquecível para milhares de pessoas, muitas das quais compareceram à cerimônia de sua despedida no dia 1º de dezembro, às 17 horas, no Jardim da Paz.

Natural de Florianópolis, alfabetizou seus cinco filhos (Álvaro, Elisa, Raquel, Leonardo e Cristiana) bem antes de ingressarem na escola e deixou-lhes o amor pela arte, pelos estudos, pela natureza, pela convivialidade e pela espiritualidade. É uma dos nove filhos do professor da Escola Pública Antonieta de Barros, o comendador Bento Águido Vieira, e da vigorosa e amorosa matriarca Celina Doin Vieira. Falecido há cerca de quatro décadas, o casal criou com dificuldades financeiras, mas com muito apego aos estudos e à doutrina cardecista, essa prole chamada por todos de “família maravilhosa”. E ainda acolheu outros três órfãos, Juci, Vilson e Irani Guarani Vieira, este último já falecido.

Seis desses irmãos já se foram, a começar pelo ex-secretário da Fazenda do governo Celso Ramos, Eugênio Doin Vieira, que partiu há oito anos. Eleito deputado federal, foi cassado em 1968 e demitido do cargo de professor do Centro Socioeconômico da UFSC pela Ditadura Militar, quando ela o visitava com o esposo Álvaro Wandelli Filho em Brasília (Eugênio foi reintegrado pela Lei da Anistia em 1979). Com Ondina, cinco outros pássaros do clã Doin Vieira bateram em revoada entre 2013 e 2014: o fiscal da Secretaria de Estado da Fazenda Ondino, o médico Gilberto, a também funcionária da Assembleia Legislativa Luíza e o médico e professor universitário Júlio Doin Vieira, todos ligados ao PMDB histórico. São vivos Benta, filha do primeiro casamento, com 103 anos, o advogado Arnaldo e a farmacêutica Celina.

Matriarca da família (à qual se somou mais tarde Sueli Batista, “filha do coração”), Ondina sempre deu o exemplo de sua coragem e solidariedade com os mais humildes e por todos que guardam um sentimento. A linda, doce e delicada “Nega”, como também chamada pelos irmãos, era uma exímia quituteira e declamadora de poesia e organizadora de festas que tinham o único intuito de congregar pessoas. Cultuava a língua e a cultura francesas, amor que herdou da mãe, descendente de imigrantes da França que aportaram em São Francisco do Sul e do pai, um açoriano autodidata que muito valorizava o conhecimento.

Homenagear uma pessoa tão admirável e corajosa pareceu um desafio intransponível, mas os filhos, o marido, parentes e amigos não fugiram a ele. Transformaram esse momento trágico em uma linda cerimônia de amor, arte e compreensão do ciclo vida, com cantos, declamação de poemas, falas espontâneas e orações que enterneceram o coração dos presentes. O desejo de manter a lição de alegria e de amor à vida de Onda acima da profunda dor de sua perda tomou conta de aproximadamente 500 pessoas que passaram pelo Jardim da Paz e testemunharam nunca antes ter ido a um sepultamento tão amoroso e sublime. Todos guardavam uma lembrança carinhosa da “pequena guerreira”.

Orgulho dos 11 netos, Ondina lutou os últimos 20 anos contra enfermidades graves, mas nunca se abateu e sempre retornou milagrosamente com sua fome de viver e de irradiar amor. Em julho deste ano, foi operada às pressas de um tumor no intestino já com metástase e sem tratamento. Desta vez, não conseguiu retornar. Faleceu no Hospital da Unimed, em São José, após uma semana de internação com o agravamento de seu estado de saúde por uma fratura espontânea. Sua música preferida “Debaixo dos caracóis”, de Roberto Carlos, muitas vezes cantarolada no velório e pelo cortejo até o alto da colina, expressa bem a força de superação dessa fênix que até o último instante foi um "soluço e a vontade de ficar mais um instante…”.

Os versos “A bailarina”, de Cecília Meirelles, que ensinou a uma das filhas e foram recitados durante a cerimônia de adeus, evocam bem a sua existência emblemática: "Alça o teu voo além da queda/ Rompe os elos de espaço e tempo./ Galga as obrigações da terra,/ Atira-te em música, ó seta,/ E restitui-se em pensamento!" A última homenagem coube ao, seu amor há 56 anos, Álvaro Wandelli Filho, com quem nutria uma relação de rara delicadeza. Álvaro recitou o poema que escreveu dedicado a sua Ondina Wandelli, terminando com os versos: “Mas, depois de muitas noites, chega a aurora e seu esplendor realizando nossos sonhos e, no fim, quem triunfa é o amor”. (Por Raquel Wandelli)

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