A grande preocupação das discussões feitas na Conferência Nacional sobre Saúde Mental e Direito, é a relação das drogas, lícitas e ilícitas, com as psicoses e a falta de um sistema adequado de tratamento no país. Neste sentido, os participantes debateram a internação compulsória e as diferenças entre a assistência social e a assistência psiquiátrica. O evento foi organizado pela Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC), Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e a Associação Catarinense de Psiquiatria (ACP), em Florianópolis.
Na sexta-feira à tarde, os profissionais argumentaram sobre a legislação, a estrutura de atendimento e a internação compulsória. A base da conversa foi a Lei n. 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e o modelo assistencial em saúde mental. O chefe de gabinete da Secretaria da Saúde de São Paulo, Reynaldo Mapelli Júnior, apresentou o trabalho desenvolvido na realidade do Estado. Para ele, a questão precisa ser tratada de forma mais pragmática e conjunta entre os setores. “Não tem milagre para tirar a pessoa do crack, por exemplo. Por isso é preciso construir uma rede que funcione”, defendeu.
Na visão do juiz Rubens Casara, que atua na área criminal no Rio de Janeiro, a internação compulsória tem muitas vezes um “caráter higienizador”. O magistrado defende que qualquer decisão precisa levar em consideração três fatores: a substância, o organismo que recebe a droga e o contexto social. “Quando se pensar em internação compulsória é preciso pensar nos direitos humanos e na garantia da liberdade”, acrescenta. A preocupação de Casara é na naturalização da internação, sem ponderar as questões humanas do indivíduo.
O psiquiatra Juberty Antônio Souza, do Mato Grosso do Sul, resumiu que o interesse comum dos juízes, promotores e médicos é sempre o bem estar da pessoa. Por isso, para ele, é preciso combater a falta de estrutura presente hoje. “O primeiro direito do doente mental é ser tratado”, afirmou, ao lembrar que é uma responsabilidade do Estado.
Souza comparou que a nova legislação substitui a prisão dos usuários de drogas por penas alternativas, mas manteve a necessidade tratamento. “A dependência química altera o senso critico das pessoas. Intimar à força é muitas vezes necessário”, pontuou. Segundo ele, no Brasil não há condições trabalho para um tratamento adequado.
Durante a mesa redonda, a juíza Ana Cristina Borba Alves, que trabalha na Vara da Infância e Juventude, da Comarca de São José (SC), mediou às perguntas. A magistrada acredita que, no caso das internações compulsórias, a exceção não pode virar a regra.
Os dados mostram que a grande maioria das internações é feita de forma voluntária, outra parcela é feita involuntariamente, quando é um desejo da família. Enquanto um percentual mínimo foi internado por determinação judicial.
O médico e ex-deputado estadual Germano Bonow trouxe dados alarmantes sobre a realidade da Política Nacional de Saúde Mental. O primeiro deles é que, segundo o DATASUS, o número de óbitos de doentes mentais dobrou entre 1996 e 2010. Em compensação, o número de leitos psiquiátricos no Brasil reduziu 56%, em dez anos. Em Santa Catarina, atualmente, há apenas 94 leitos disponíveis para tratamento.
Bonow acredita que a legalização das drogas, sem uma mudança na legislação de Saúde Mental e o aumento do número de leitos, “é uma loucura”. Segundo ele, diversas pesquisas comprovam que a dependência química está relacionada com doenças como a esquizofrenia, por exemplo.
O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina Emmanuel Fortes fez críticas ao Ministério da Saúde por querer fechar ambulatórios de psiquiatria. “O CAPS – Centro de Atendimento Psicossocial – não deveria ser a porta de entrada no sistema. Mas, deveria atuar na reinserção adequada dessas pessoas no convívio social, laboral e familiar”, sustenta.
Fortes explica que 10% das pessoas que usam drogas ficam viciadas. “Para a saúde pública isso é uma epidemia. Imagine 10% de 20 milhões”, argumentou, ao pedir que as drogas sejam tratadas com mais seriedade. Ele define que o “compulsório” é para tratar o “agora”, enquanto a pessoa está em uma crise, durante uma emergência. “Interna contra a vontade e, depois, o Estado precisa garantir meios para a ressocialização”, finalizou.
Para o juiz Ermínio Amarildo Darold, que integra a Comissão para Assuntos Constitucionais, Legislativos e Institucionais da AMC, há três espécies de internação compulsória: “a) na primeira, a compulsoriedade só atinge o paciente, pois que há vaga disponibilizada pelo sistema de saúde, mas nem ele, nem seus familiares, admitem a internação, embora necessária. A mesma situação ocorre quando o paciente não está em condições de consentir e não há quem possa fazê-lo por ele; b) – na segunda, a compulsoriedade dirige-se ao Estado, que não oferece a vaga, embora o paciente ou seus familiares consintam na internação; c) na terceira, a compulsoriedade dirige-se a ambos, paciente e Estado, quando somam-se as duas hipóteses anteriores. Imprescindível em todas elas, todavia, laudo médico, firmado por profissional da medicina com inscrição do CRM daquele estado, indicando a patologia e a necessidade de internação.
Para os especialistas, a internação compulsória de dependentes químicos deve ser feita em uma unidade hospitalar, de tratamento médico. E nunca em uma comunidade terapêutica. Por isso, é indispensável o parecer técnico.
No sábado (3), pela manhã, o psiquiatra Ronaldo Laranjeiras apresentou o projeto “Recomeço”, que coordena em São Paulo. O professor acredita que o Brasil tem 1 milhão de usuários de crack, atualmente. “Essa nova realidade interfere diretamente nas doenças mentais. O consumo é um problema de saúde pública, que exige um tratamento com múltiplos recursos em longo prazo”, reiterou.
Laranjeiras explicou que uma doença complexa não tem apenas um caminho de solução. É importante, segundo ele, que o tratamento gere estabilização do quadro e só depois a reinserção no meio social. O professor divulgou, também, as “moradias assistidas” que são um novo modelo social de recuperação. Essas residências acolhem dependes químicos, com apoio do governo, para trabalhar a recuperação dentro do ambiente urbano.
Em seguida, a vice-presidente da AMC, juiz Mônica Elias De Lucca Pasold, coordenou os trabalhos das oficinas, que dividas em quatro grupos, apontaram propostas para redação da “Carta de Florianópolis”. Cada coordenador técnico apresentou as discussões feitas e as propostas efetivas para compor o documento final.
O presidente da ABP, Antonio Geraldo da Silva, garantiu que com a Conferência foi criado um fórum de discussão online para os profissionais. A próxima edição de evento ficou marcada para 4 e 5 de abril de 2014, em Florianópolis. “A ABP está marcando a história da psiquiatria com a parceria da AMC”, finalizou.