Carta ao pai – homenagem do juiz Luiz Eduardo Ribeiro Freyesleben ao pai, o desembargador Freyesleben

 

Caros colegas e queridos amigos,

não gostaria de importuná-los ao término do ano, quando o cansaço nos pesa mais. No entanto, não poderia silenciar ao tomar conhecimento da homenagem feita a meu pai, às vésperas da aposentadoria, prestada na 2ª Câmara de Direito Civil por pessoas generosas, a quem nossa família devota os melhores sentimentos.

Lembro-me pequeno, em uma infância distante, passada ora aqui ora acolá – eram incompreensíveis para mim as razões de nosso nomadismo -, como aguardava ansioso a chegada do homenageado. Como eram longas aquelas horas, a confirmar a relatividade do tempo. Chegavam eles – o tempo e o pai -, um com o prenúncio de brincadeiras, outro com um ar fatigado, mas sorridente. Todas as alegrias estavam nessas noites compartilhadas com um super-herói que só eu conhecia. Ainda melhores eram os finais de semana. Todos reunidos, contava-nos episódios engraçados vividos em Herval do Oeste, onde nasceu, e em Porto União, que adotou, sempre ladeado por uma pilha de processos. Meu pai nunca soube como se apartar desses fiéis companheiros, nem do caminho reto trilhado durante a carreira.

Muitos anos depois, adolescente, ao ler Carta ao Pai, não consegui compreender como Kafka podia debitar tanto de suas mazelas ao genitor severo e desestimulador. Não pude fazê-lo porque o exemplo que tive em casa foi o oposto disso. Não me faltaram incentivo e cuidado. É verdade que os processos, sempre eles, entremeavam nossa rotina feliz, mas aprendemos a vê-los quase como órgãos vitais de um pai obcecado pelo trabalho.

Eu, minha mãe, Glória, e minha irmã, Priscila, testemunhamos décadas de esforços e de amor ao serviço público, de uma luta infatigável pelo resgate do sentido do justo. Talvez não me perdoe o pecadilho de revelar o único vício enraizado além do de julgar, uma de suas poucas diversões: assistir aos calouros do programa Raul Gil. Costumava alternar comentários entre o desempenho musical dos candidatos e as soluções que lhe pareciam mais equânimes nos votos em elaboração. Por vezes absorto, aparentemente distante, vinha-lhe a centelha da sagacidade a cada menção que fazíamos a um tema jurídico.

Cresci assim, com as bençãos e os fardos, sob a influência de um pai tão apaixonado pela Justiça que não raro me parecem um só.

Agradecemos eu, o Judiciário e a sociedade.

Desejo-te, pai, ainda em pleno vigor intelectual, que descubras outras formas de abrandar as dores ditas alheias, mas que também são nossas.

Um Feliz Natal a todos!

 

Luiz Eduardo Ribeiro Freyesleben

 

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