Painel discute como o Judiciário pode utilizar as ferramentas de comunicação e assessoria para melhorar sua imagem

Por Carolina Pompeo
 
O Congresso Estadual de Magistrados, promovido pela Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC), reuniu em seu segundo painel, intitulado “Imprensa e Judiciário: como aprimorar e transformar essa relação em instrumento de proteção à cidadania?”, profissionais da Comunicação com reconhecida experiência na área jurídica para debaterem aspectos do relacionamento ora pacífico, ora conturbado entre Judiciário e imprensa e como as imagens do magistrado, da Justiça e do próprio Judiciário são construídas pelo jornalismo. 
 
O Desembargador Jaime Ramos (TJ/SC), a quem coube mediar o painel, recusou o posto e declarou: não serei o mediador ou conciliador, mas o provocador do debate. “Todos sabemos da profunda crise em que está mergulhado o Judiciário, em razão da desvalorização da magistratura que, na minha visão, tem função política, ideológica, subliminar, e reflete, sim, na confiança do jurisdicionado na atuação do Poder Judiciário”, disse o Desembargador, apontando a imprensa como um dos grandes responsáveis pela campanha negativa.
 
De acordo com o Desembargador Ramos, a imprensa, de maneira geral, tem por hábito publicar apenas notícias negativas sobre o Judiciário, muitas delas contendo informações erradas; outra queixa do magistrado recai sobre a interpretação e distorção de dados estatísticos, freqüentemente utilizados para associar a imagem do Judiciário à morosidade, à ineficiência. O perigo, alertou ele, é que tais imagens, distorcidas, incompletas ou exceções, são captadas pela sociedade como verdadeiras e generalizadas à todo o quadro da magistratura brasileira. 
 
“Hoje, no Brasil, o Judiciário não se ressente apenas por causa de suas mazelas, mas também por causa do descrédito, das críticas. O poderio da imprensa é assombroso – elege e derruba presidentes. Não podemos desconsiderar esse poder imenso, de tomar a massa do povo e fazê-la caminhar conforme o que é dito pela imprensa”, analisou o Desembargador, encerrando a abertura do painel com um questionamento aos painelistas: “Gostaríamos de saber, como fazer para que a imprensa auxilie o Judiciário a resgatar a confiança do jurisdicionado na lisura dos procedimentos éticos do Judiciário, encarregado de garantir os direitos à cidadania dos brasileiros?”.
 
Imagem x Reputação
 
A jornalista Simone Caldas, repórter do jornal Correio Braziliense, iniciou sua participação afirmando que, para pensar na aproximação de Judiciário e imprensa, faz-se necessário, primeiro, pensar em reputação e imagem. Enquanto aquela é a percepção formada ao longo do tempo, profundamente enraizada e consciente; esta é fluída, momentânea, instável – a imagem de uma instituição ou personalidade pode estar positiva pela manhã e negativa à tarde. O mais importante, de acordo com Simone, é a construção de uma reputação forte, posto que boas reputações possam sobreviver a maus momentos e crises de imagem. A título de exemplo, Simone citou casos famosos, como do jogador de futebol Pelé, process ado por não reconhecer a paternidade de uma filha; ou da Petrobras, freqüentemente denunciada por vazamentos de óleo em suas plataformas – em ambos os casos, as imagens foram arranhadas, mas as reputações construídas durante anos sobreviveram. 
 
“Uma imagem positiva não se torna perene se a reputação não for reconhecida por seu público. Para estabelecer uma boa reputação e uma boa imagem, segundo Sócrates, é preciso esforço para ser aquilo que se deseja parecer. Uma instituição precisa descobrir o que é e o que quer ser para, então, criar uma reputação e imagem duradouras”, explicou Simone, deixando questões muito simples, mas contudentes, no ar: Quem é a magistratura brasileira? Quais são as prioridades dessa magistratura? O cidadão comum se identifica nessas prioridades? Tais prioridades e ações do Judiciário são comunicadas corretamente? Para Simone, ter essas respostas claras é essencial para estabelecer os pilares sobre os quais o Judiciár io pode reconstruir sua imagem. 
 
Além de conhecer profundamente a si mesmo e a seu público, a jornalista sugeriu que, para conquistar mais espaço e opiniões positivas na imprensa (e entre seu público), qualquer empresa, instituição ou pessoa pública deve envolver-se com causas caras à sociedade. “A imprensa é o principal meio pelo qual as entidades falam com a sociedade. E o foco da imprensa é sempre o cidadão. A imprensa tem que enxergar mais do que boas intenções na magistratura: tem que enxergar fatos, dados, ações concretas e provadas”, explicou Simone. 
 
De acordo com a jornalista, para conquistar o cidadão e a imprensa, o Judiciário deve investir em duas frentes: campanhas sociais direcionadas a públicos distintos, conforme a competência de cada órgão; e setor de comunicação profissionalizado. “A proximidade com a imprensa demanda tempo, estratégia e investimento. Demanda profissionalização”, sentenciou ela. No entanto, para que a estratégia seja eficaz, os agentes do Judiciário, os magistrados, devem assumir papel central e ativo: a despeito das eventuais críticas negativas, é preciso ser transparente e comunicar-se, falar à imprensa e com a imprensa. “Cases de sucesso mostra que é preciso ousadia de ser diferente e de colocar seu discurso nas ruas. O Judiciário deve realizar um trabalho nesse sentido ”, concluiu. 
 
Imprensa e Judiciário: política de cooperação
 
Em seguida, pronuciou-se o jornalista Moacir Pereira, colunista do Grupo RBS. Pereira discordou do Desembargador Ramos no que concerne à credibilidade desfrutada pelo Judiciário. “Discordo que o jurisdicionado não confia no Judiciário. A demanda elevada no Brasil é prova disso; é a última instância da cidadania para resolver conflitos. Essa é a demonstração mais enfática de que a população confia na Justiça brasileira”, analisou, reconhecendo, contudo, que a relação entre imprensa e judiciário precisa, sim, melhorar. 
 
Pereira sugeriu alguns encaminhamentos que podem contribuir para o aperfeiçoamento dessa relação: promover mais eventos como o Congresso, que aproximem jornalistas e magistrados para que as duas categorias possam compartilhar as dificuldades de cada profissão; facilitar o acesso às informações positivas do Judiciário, pois muitas vezes o jornalista encontra dificuldade em checar informações e contatar o magistrado; melhorar a estrutura de comunicação do Tribunal de Justiça, com a instalação de uma sala de imprensa de livre acesso aos jornalistas; e aperfeiçoar o sistema de contato e resposta por parte da assessoria do Tribunal de Justiça, ampliando o corpo de profissionais que atendem ao órgão.
 
O jornalista também observou que o Judiciário precisa aderir definitivamente às ferramentas digitais, como twitter e facebook, e utilizar o potencial de visibilidade da rede em seu benefício. Conforme Pereira, vive-se a “Era Digital” e não é mais possível manter-se alheio às novas possibilidades de comunicação surgidas nesse meio, cuja eficácia, rapidez e alcance são muito mais intensos do que nas mídias tradicionais. 
 
Pereira é partidário da política da cooperação. Os magistrados devem ter mais iniciativa de comunicação, mostrando-se mais acessíveis e abertos às perguntas, à divulgação de seu trabalho, sem medo de críticas. Os jornalistas também precisam especializar-se, adquirir mais conhecimento sobre o Judiciário, sobre seus processos e a dinâmica de funcionamento. Em suma, faz-se necessário um relacionamento que facilite o trabalho de ambos os profissionais, que permita o diálogo entre jornalistas e magistrados, que possibilite um contato rápido e direto, com confiança e respeito mútuos. “Judiciário e imprensa possuem valores semelhantes: ética, defesa dos direitos humanos, defesa da liberdade de expressão, fiscalização da aplicação da justiça, transparência e neutralidade etc. Existe uma convergência natural entre imprensa e Judiciário”, encerrou.
 
Comunicação complexa
 
Finalizando a exposição de painelistas, o jornalista Marcone Gonçalves, Secretário de Comunicação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi incisivo em suas colocações. Marcone abordou a relação entre imprensa e Judiciário de outra perspectiva: a social. Segundo ele, vivemos um processo intenso de transformação social e política que culminou em uma mudança nas estruturas de poder – a tecnologia impulsionou a transferência de poder para classes sociais que, até algum tempo atrás, eram apenas testemunhas da administração desse poder por instituições hierarquicamente superiores, como o Estado. Mas isso mudou. “A construção do poder, hoje, não se dá mais no ambiente de Estado, mas no campo da comunic ação social, que é o espaço de construção de poder das instituições e pessoas. Comunicação não é mais um acessório. É na comunicação que está o poder de instituições e indivíduos. É preciso lidar com esse novo cenário, no qual é a comunicação que garante o espaço social”.
 
Marcone foi direto: o maior perigo que qualquer empresa ou instituição da sociedade moderna enfrenta, hoje, é o comprometimento da reputação. Entendido isso, disse, adere-se ao jogo da comunicação e do poder que rege a competição e a aceitação social. O tabuleiro desse jogo é a mídia. “Não é a mídia que constrói o poder, mas é na mídia que acontece o diálogo que gera poder. Nessa arena, sem política de comunicação, a instituição não conquista espaço e não alcança o público que lhe interessa”, explicou, ressaltando que um bom plano de comunicação não é mais opcional e que contar com ajuda da imprensa é amador. “A imprensa não aju da, ela quer notícia. A relação entre Judiciário e mídia tem de ser absolutamente profissional. Não pode contar com o jornalista amigo, com o colunista conhecido. Judiciário tem que ter uma equipe de comunicação própria e profissional”.
 
Nesse contexto recente de comunicação, Marcone destacou alguns aspectos para os quais o Judiciário precisa atentar: 
 
* Os atores políticos brasileiros mudaram, não são mais integrantes exclusivos das classes A e B, trata-se de uma nova classe média que emergiu recentemente, com o crescimento econômico do país, a classe C. “O Judiciário não pode ignorar que seu público mudou, sob o risco de comunicar-se com as pessoas erradas. É preciso mudar o aparato comunicacional, os conceitos, os entendimentos. O Legislativo e o Executivo já perceberam isso”, disse Marcone;
 
* Plataformas novas de comunicação, como as mídias sociais, são um ótimo e abrangente canal de comunicação com esse novo público. Mas, além dos formatos de comunicação, é preciso também acertar os conteúdos para o público-alvo. “A comunicação não pode mais ser elitista, erudita, excludente. A inclusão social provocou mudanças estruturais na sociedade, e o Judiciário está inserido nesse contexto”;
 
* Sem profissionalização, não é possível alcançar resultados satisfatórios. Planejamento de comunicação, estratégias, conteúdo, linguagem, produtos e bons profissionais – tal investimento é imprescindível. Imagem é um produto caro. “Primeiro, o Judiciário tem que definir sua política de comunicação. Depois, estabelecer estratégias para colocar essa política em prática. E, por fim, praticá-las, contratar, disponibilizar equipamento. Por que o magistrado acha que vai ter uma boa imagem com trabalho de assessoria desqualificado?”.
 
Marcone encerrou sua exposição afirmando que comunicação na sociedade moderna é um problema complexo, cuja compreensão e solução demandam tempo e muito estudo para que assessores de comunicação e empregadores entendam o fenômeno no qual estão inseridos. “Todo problema complexo tem sempre uma solução rápida, fácil e equivocada”, ironizou.
 

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