Juiz quer reabrir Casa do Albergado em Chapecó com novo projeto organizacional

 

Por Carolina Pompeo

Há quatro meses à frente da Vara Criminal da Comarca de Chapecó, o Juiz Gustavo Marchiori enfrenta um problema grave que afeta bastante a vida de parte da população carcerária do município e região: a interdição parcial da Casa do Albergado desde 2011, em decorrência da instauração de um procedimento administrativo para apurar desvio de execução. Quando foi interditado, o albergue encontrava-se em estado calamitoso, não apenas pela estrutura física que, sem manutenção e cuidados adequados, deteriorou-se rapidamente, mas também porque a inexistência de um projeto de acompanhamento dos apenados albergados resultou em indisciplina e reincidência.

A Lei de Execuções Penais prevê a existência da Casa do Albergado, no entanto, não estabelece como deve ser administrada. Criadas com o objetivo de promover a readaptação dos apenados que chegam ao regime aberto, as Casas do Albergado possuem esse caráter de regime temporário – período de tempo para que seja avaliado se os apenados possuem condições de ser libertados e retomar o convívio com a sociedade e a família. Ao saírem da unidade prisional e irem para o albergue, os apenados têm o direito de sair durante o dia e retornar apenas à noite. No entanto, no modo antigo de funcionamento, a Casa não os auxiliava a empregar-se, tampouco oferecia capacitação profissional ou apoio psicológico para a ressocialização. Desempregados, sem vinculação ou compromisso algum e livres para sair durante o dia sem prestar esclarecimentos, os apenados ficavam ociosos, muitos recorriam ao álcool ou às drogas, além daqueles que retornavam ao crime porque não tinham perspectivas mais positivas, ocasionando a regressão penal.

Embora reconheça que da maneira como operava não gerava bons resultados, para Marchiori o albergue tem uma função social no sistema de execução penal e deve ser reativado mediante reformas física e organizacional. “Hoje vivemos um faz de conta. A Justiça manda prender e faz de conta que o sistema prisional dá conta de ressocializar os presos. O sistema prisional prende e faz de conta que lá dentro tudo funciona adequadamente. O preso é solto e a sociedade faz de conta que ele terá novas chances de reconstruir sua vida longe do crime. É tudo um faz de conta, porque a gente sabe que não é assim na realidade”, analisa.

O projeto desenvolvido pelo magistrado propõe um novo albergue, com condições reais de ressocialização. Para tanto, prevê convênios com empresas e escolas que possibilitem a inserção dos apenados no mercado de trabalho, além de capacitação profissional. “O albergue é uma passagem. É um período que o detento tem para se readaptar ao mundo lá fora. Mas para isso dar certo, ele tem que ter emprego, tem que ter alguma profissão. Só assim a reintegração social e familiar é plenamente alcançada”, defende Marchiori.

Além da parceria com empresas e escolas, o projeto-piloto do magistrado inclui uma grande reforma na estrutura física do albergue, que em inspeção constatou deteriorada e insalubre; e um processo de triagem nas unidades prisionais dos apenados que, ao chegarem ao regime aberto, estão aptos a migrarem para a Casa do Albergado. De acordo com Marchiori, a triagem é parte importante do processo de transferência, pois muitos detentos não têm interesse real de reconstruírem suas vidas legalmente, distorcendo o propósito do albergue e desequilibrando seu funcionamento ao gerar conflitos tanto com os demais albergados quanto com a equipe responsável pelo seu funcionamento. Por fim, o magistrado pretende também capacitar uma equipe multidisciplinar e um grupo de agentes penitenciários para trabalharem no local; e implantar um sistema de fiscalização e punição eficaz – se o albergado desobedecer às regras estabelecidas ou reincidir, sofrerá regressão de regime. 

Com o projeto-piloto finalizado, Marchiori passou às tratativas. A princípio, grande parte dos moradores manifestou-se contrária à reabertura, sob a alegação de que o funcionamento do albergue acarretou no aumento da ocorrência de pequenos crimes no bairro, como furtos. No entanto, o posicionamento do Conselho Comunitário mudou quando da apresentação do novo projeto de Marchiori.

Com a aprovação e apoio do Conselho Comunitário, o magistrado reuniu-se então com Leandro Lima, Diretor do Departamento de Administração Prisional (DEAP), em 29 de agosto. Nesse encontro foi estabelecido o prazo de 90 dias para que o Estado tome uma decisão final a respeito do albergue. No início de setembro, Marchiori reforçou a campanha a favor de seu projeto e enviou um ofício para o Governador do Estado, Raimundo Colombo, assinado por representantes da Associação Comercial e Industrial de Chapecó (ACIC), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Conselho da Comunidade, solicitando a reativação do albergue e implementação do projeto-piloto.

Aguardando pela definição final do Estado, Marchiori está otimista e acredita que as vantagens da reabertura do albergue não serão ignoradas. “O fato é que o que está aí não está funcionando. Construímos novos presídios, reformamos, aumentamos a capacidade… Cresce também o número de detentos, mas nada muda na situação real deles, tanto dentro das unidades prisionais quanto fora. Devemos testar alternativas. Precisamos de projetos não partidários, mas de governo. Um projeto de estado, um pacto social para mudar a situação penal. Pode parecer utópico, mas realmente acredito nisso e acho que vale a pena lutar”, destaca.

 

Imagem: Nilson Schuck / BandSC

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *