“O respeito às opiniões técnicas é basilar para se compreender os motes deste julgamento”

Por Suélen Ramos

A Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) dá seguimento à série de entrevistas sobre o julgamento da Ação Penal 470 – o "Mensalão" – pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com a análise crítica de magistrados do Poder Judiciário de Santa Catarina, sobre o tema. Na quinta entrevista da série, o Juiz Silvio Dagoberto Orsatto, da comarca de Lages, opina sobre o andamento do julgamento iniciado em 2 de agosto e que, até o momento, condenou 25 dos 38 réus, dentre eles o ex-presidente do PT, José Dirceu, ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, o Deputado Federal do PT, João Paulo Cunha, a ex-presidente do Banco Rural, Kátia Rabello e o ex-tesoureiro do PL Jacinto Lamas.

O Magistrado afirma que, apesar da pressão da opinião pública, a atuação dos Ministros no julgamento do “Mensalão” tem sido extremamente técnica e acredita que o episódio irá influenciar no trabalho dos Juízes em todo o país, devido à exposição causada pelo julgamento da Ação Penal 470 e consequente interesse da população no desempenho dos Magistrados, fato que, segundo ele, dá legitimidade social ao Poder Judiciário.

 

“O respeito às opiniões técnicas é basilar para se compreender os motes deste julgamento”

 

1. O senhor acredita que a opinião pública nesse momento sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) pode atrapalhar ou até mesmo influenciar no julgamento do “Mensalão”?

A opinião pública desempenha um relevante papel nas democracias ocidentais, pois se traduz na expressão e no sentimento de grupos ou categorias sociais. Apesar de sua relevância social, nos autos de processo os juízos de valores contemplam outras variáveis. Assim, os juízes se prendem ao conjunto das provas constante do processo e à interpretação da Constituição e das leis do país. Atuam, portanto, com independência, pois seus votos serão analisados – no futuro – num contexto de evolução histórico-político da sociedade brasileira.

2. Em sua opinião, o julgamento tem sido rigorosamente técnico e não político, levando em conta que os Ministros são indicados pelo Presidente da República em exercício?

A fundamentação de cada voto tem sido extremamente técnica, sendo que as divergências decorrem da análise interpretativa da qual cada magistrado compreende os fatos e o direito. Ressalte-se que a origem profissional, a formação acadêmica, a visão de mundo e a ideologia de cada ministro se constituem em elementos essenciais para se analisar cada argumento nos votos proferidos. 

3. E sobre a formação do STF, cuja indicação dos Ministros é feita pela Presidente da República. Isto deveria mudar?

Creio que o sistema de escolha deve ser aperfeiçoado. Talvez o desejável seja um equilíbrio entre a escolha política e a técnica.

4. O que o senhor pensa do processo de sabatina feito pelo Senado com cada novo indicado ao STF?

Em um Estado Democrático de Direito com instituições fortes há uma repartição de poderes com o Congresso Nacional, por suas casas legislativas. A sabatina no Senado Federal é um ato simbólico, porém republicano. Trata-se de uma providência necessária para completar o ato de escolha do Presidente da República.

5. O julgamento do “Mensalão” tem melhorado ou piorado a imagem do Poder Judiciário perante a sociedade, principalmente nessa fase em que estão sendo julgados dois importantes membros do PT, José Dirceu e José Genoino?

Creio que a exposição na mídia do STF neste caso tem colaborado muito com uma melhor compreensão do Poder Judiciário, tornando transparente para a sociedade os critérios de julgamento por meio dos votos lançados. Muitas mudanças sociais advirão deste julgamento. Aguardemos por 5 ou 10 anos, com paciência e perseverança para fazermos uma revisitação neste momento.

6. O que o senhor acha da exposição do Poder Judiciário nesse momento, levando em conta as divergências entre os Ministros no julgamento da AP 470, principalmente entre o relator e o revisor do processo, os Ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski?

Absolutamente normal. Tais divergências são cotidianas nos julgamentos colegiados. São independentes em seus votos e agem de acordo com as suas respectivas consciências. Nada de se rotular; é um equívoco. O respeito às opiniões técnicas é basilar para se compreender os motes deste julgamento.

7. O senhor acha que a justiça deveria criar mais varas ou redobrar a atenção sobre crimes contra a administração pública, para que não se chegasse a um julgamento do porte do “Mensalão”?

A questão não é apenas de criação de varas, porém deve-se prevenir com um melhor aparelhamento das auditorias e dos meios de controle. Talvez a criação de tribunais administrativos e um novo modelo, pois o atual é ineficiente para coibir fraudes. A Lei de Improbidade Administrativa deveria ser modificada para ter também um caráter pedagógico. Punir por punir é ineficiente.

8. O senhor acredita que o julgamento do “Mensalão” vai influenciar no trabalho dos magistrados no país, daqui em diante?

Certamente. O Poder Judiciário hoje não mais é um assunto restrito aos operadores do direito. Nos bares, nas rodas e nas redes sociais.  Isso lhe dá legitimidade social.

 

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