Justiça garante tratamento e medicamentos especiais para pacientes carentes

Por Alex Sobral e Suélen Ramos
 
Em novembro de 2011 o morador aposentado de Balneário Camboriú, João Mattos, de 78 anos, notou os primeiros sinais de problema na visão. Dois meses depois, ele sofreu um derrame no olho esquerdo que afetou a membrana neo-vascular, deixando-o cego. O tratamento para que o aposentado voltasse a enxergar seria caro, demorado e, durante seis meses, incluía injeções no glóbulo do olho. Mas o medicamento não constava na lista do Rename – Relação Nacional de Medicamentos Essenciais do SUS -, e a opção para João Mattos foi acionar a Justiça para que o Estado custeasse o tratamento, recurso cada vez mais utilizado por pacientes que não encontram remédios na rede pública de saúde.
 
Entre janeiro e maio desse ano, segundo levantamento preliminar realizado pela AMC em consulta a 13 comarcas, pelo menos 352 catarinenses ajuizaram ação judicial pleiteando em antecipação de tutela o fornecimento de medicamentos ou tratamentos terapêuticos. Das comarcas consultadas, Imbituba lidera com 73 solicitações; seguida por Xanxerê, com 58; e Tubarão, com 36. De acordo com o Juiz Giuseppe Battistotti Bellani, da comarca de Xanxerê, o Sistema de Automação do Judiciário (SAJ) aponta 320 ações desse tipo em curso, nesta comarca.
 
De acordo com a doutoranda em Gestão de Saúde Pública, do Curso de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFSC, Alexandra Crispim Boing, os medicamentos mais solicitados no estado são os que tratam do sistema nervoso, seguido pelo aparelho cardiovascular. Alexandra é autora da dissertação de mestrado Política e Constituição: a judicialização do acesso a medicamento em Santa Catarina, publicada em 2008 pela UNIVALI.
 
A autora aponta que as ações em torno dos medicamentos saltaram de uma, em 2000, para 1.661 em 2006. Segundo o Juiz Giuseppe Battistotti, diversos fatores contribuem para o crescente número de solicitações de medicamentos via Justiça. “A maior informação da população sobre seus direitos, o crescente número de advogados interessados em causas do tipo, o avanço tecnológico da medicina e a pronta resposta do Poder Judiciário, ao garantir efetividade aos direitos da população, instigam as pessoas a procurar a Justiça”, ressalta.
 
Em 2010, a Justiça Catarinense aprovou recursos de mais de 8 mil pacientes, totalizando cerca de R$93 milhões em medicamentos concedidos. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2011, as liberações de medicamentos com a interferência do Poder Judiciário somaram R$ 266 milhões. “O ideal seria a efetivação de políticas públicas que alcançassem a população como um todo, porém infelizmente isto não ocorre, fazendo com que o Judiciário atue no sentido de amenizar os efeitos dessa distorção”, destaca o Juiz Giuseppe Battistotti.
 
Para o Juiz Sílvio Dagoberto Orsatto, da Vara da fazenda de Lages, a crescente demanda por medicamentos especiais está diretamente ligada à deficiência do atendimento à saúde. “O Judiciário tem interferido para restabelecer um mínimo de dignidade ao paciente”, destaca. O magistrado também concorda que os avanços da medicina de diagnósticos, que tem possibilitado o tratamento a todos os tipos de doença, mas exigindo-se assim medicamentos especiais e, consequentemente, de alto custo também tem contribuído para o aumento dessas ações na Justiça. “Por último, a longevidade das pessoas, decorrente de melhores condições de vida proporcionadas pelo progresso social, como boas condições de higiene, de saneamento básico, de água potável e de programas de saúde como o de vacinação preventiva, ampliando a média de idade”, também interferem, explica o Magistrado.
 
A Procuradoria Geral de Santa Catarina (PDE), sob comando do Procurador João dos Passos Martins Neto, estuda implantar uma Câmara Técnica para tratar do assunto no estado. No projeto, duas modalidades estão em estudo: na primeira, o grupo seria formado por pessoas da área administrativa, com função de analisar, autorizar o fornecimento de remédios antes que o pedido chegasse à Justiça, sem interferir na decisão. A segunda opção tem foco de atuação nos casos em que a entrega de um medicamento é negada pelo Estado e seria formada por profissionais de diversas áreas da saúde.
 
O Juiz Giuseppe Battistotti, da comarca de Xanxerê, explica que a negação do pedido de tratamento médico pela Justiça só ocorre quando o cidadão interessado em receber o benefício não atua de acordo com as exigências legais, relacionadas principalmente a apresentação de documentos que comprovem a necessidade do medicamento e a impossibilidade de obter o mesmo com recursos próprios. “Também é analisada a possibilidade de se utilizar alternativas terapêuticas que se encontram disponíveis em substituição aos fármacos pleiteados, os quais fazem parte do elenco de referência dos medicamentos e insumos do Componente básico da Assistência Farmacêutica”, explica.
 
A Justiça também atua nos casos em que a espera pelo medicamento fornecido pelo SUS possa acarretar risco de morte ou agravamento da doença. Na região da serra catarinense foi criado o Consórcio Integrado de Saúde – CIS, que possibilita que um único órgão adquira medicamentos para 23 municípios. O objetivo da comissão é analisar cada caso, substituindo  alguns medicamentos de laboratórios mais conhecidos por outros com preço mais baixo, além de examinar se o medicamento prescrito é compatível com a enfermidade indicada. O grupo também é importante para que casos de urgência sejam solucionados de maneira rápida. No caso do aposentado João Mattos, o tempo de análise do pedido foi fundamental para sua recuperação, e três meses após o derrame, com o pedido já feito junto a Justiça Catarinense, foi atendido e recebeu a primeira injeção do tratamento. “Estava quase cego e quando recebi a primeira dose recuperei 20% da visão. Estou para tomar a quarta injeção e já recuperei 80% do olho esquerdo”, comemora o aposentado.
 
Mesmo diante dessas iniciativas, o problema do elevado custo com medicamentos especiais será contido quando as lacunas do sistema público de saúde no Brasil forem sanadas. Para o juiz Silvio Orsatto, que reúne especialistas para discutir o tema em seminários, a gestão da saúde deve melhorar. “O problema não é insolúvel como alguns alardeiam. Enquanto seres humanos forem tratados da forma como a imprensa diariamente noticia, de norte a sul do país, mais e mais recursos serão gastos sem uma resolução do problema. O equívoco está na deficiência das medidas de organização da saúde no Brasil. As liminares efetivamente não são a solução, porém levantam o problema e a discussão sobre a saúde pública”, conclui.

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