“Se a imagem do Poder Judiciário estiver atrelada a um único julgamento estamos mal”

Por Suélen Ramos

A Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) dá seguimento à série de entrevistas sobre o julgamento da Ação Penal 470 – o "Mensalão" – pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com a análise crítica de magistrados do Poder Judiciário de Santa Catarina, sobre o tema. Na segunda entrevista da série, o Juiz Pedro Aujor Furtado Junior, da comarca de Criciúma, opina sobre o andamento do julgamento iniciado em 2 de agosto e que, até o momento, condenou 10 dos 38 réus, dentre eles o Deputado Federal do PT, João Paulo Cunha, o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, e a ex-presidente do Banco Rural, Kátia Rabello.

O Magistrado afirma que a imagem do Poder Judiciário não pode estar associada a somente um julgamento, por mais importante que ele seja – como é o caso do "Mensalão" – e que o mesmo pode representar um “divisor de águas” para a política partidária, no que toca à escolha de homens íntegros para atuarem nos partidos.

 

 “Se a imagem do Poder Judiciário estiver atrelada a um único julgamento estamos mal”

 

1. O senhor acredita que a opinião pública sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) pode atrapalhar ou até mesmo influenciar o julgamento do “Mensalão”?

O STF é uma instituição política. A nomeação dá-se por escolha do (da) Presidente da República. Então me parece lógico que haja em certo grau de influência da opinião pública em determinado julgamento, já que as causas que lá tramitam têm manifesto interesse público e os Ministros são sensíveis aos apelos da sociedade. Mas, honestamente, não acredito que o resultado em si seja direcionado pela opinião pública. O aspecto técnico prevalece.

2. Então, em sua opinião, o julgamento tem sido rigorosamente técnico e não político?

 Tem sido técnico em essência (forma) e obviamente político também em alguma medida, como visto na resposta anterior. O que não se vê, felizmente, é uma influência decisiva da "política-partidária", o que é bem diferente.

3. E sobre a formação do STF, cuja indicação dos Ministros é feita pelo Presidente da República em exercício. Isto deveria mudar?

Penso que a nomeação dos ministros pelo Executivo não altera em nada a essência democrática da Corte Constitucional, afinal Corte política, como em toda democracia que se preze (nos EUA, por exemplo, funciona de forma semelhante). O que se poderia adotar seria a elaboração, por parte dos atuais Ministros, de uma lista tríplice e dela partisse a nomeação pelo Chefe do Executivo. Daria maior credibilidade aos aspectos técnicos e também políticos, preservando a figura do "notório saber jurídico", que pode em tese não ser observada com maior apuro.

4. O julgamento do “Mensalão” melhora ou piora a imagem do Poder Judiciário perante a sociedade?

Se a imagem do Poder Judiciário estiver atrelada a um único julgamento estamos mal. A imagem do Poder Judiciário perante a sociedade deve ser a melhor possível partindo de todos os juízes e em todos os julgamentos. Mas é inegável que uma resposta firme da Suprema Corte, demonstrando independência, técnica e imparcialidade, contribui para que a opinião pública perceba os mesmos predicados em todo o corpo do Judiciário.

5. O que o senhor acha da exposição do Poder Judiciário nesse momento, levando em conta as divergências entre os Ministros, no julgamento da AP 470, principalmente entre o relator e o revisor do processo, os Ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski?

A divergência faz parte de todo julgamento colegiado. Um colegiado que não diverge, e não expõe suas diferenças, é menor, porque não evolui, ficando centrado em "opiniões" ou "posicionamentos", dando voltas em si mesmo. Colegiado forte é o que se constrói e amadurece pela divergência. A questão é de como divergir. Briguem as idéias e não os homens. Importante destacar que o Ministro Presidente tem sabido resolver os pontos de discórdia com serenidade e sensibilidade em torno das diferenças pessoais entre relator e revisor.

6. O senhor acha que a justiça deveria criar mais varas ou redobrar a atenção a crimes contra a administração pública, para que não se chegasse a um julgamento do porte do “Mensalão”?

Criar mais varas não me parece a solução para melhores resultados do Poder Judiciário como um todo. A experiência tem demonstrado que as melhoras são pontuais e não necessariamente desafogam as unidades anteriores, havendo pelo contrário o nascimento de unidades já afogadas. Não existe fórmula mágica, mas uma boa estratégia me parece ser aumentar o número de juízes e servidores (e não de varas) e dotá-los de estrutura funcional adequada, investindo (o que tem sido feito) no parque de informática. Obviamente que tudo depende de dotação orçamentária e os entraves são os de ordem financeira. Nossos gestores são capacitados e comprometidos. Salvo melhor juízo, os crimes praticados contra a Administração Pública (e os feitos que tratam de improbidade administrativa nas Varas de Fazenda) tem recebido o impulso adequado por parte dos juízes e a resposta tem sido dada em Santa Catarina, basta observar os inúmeros casos de enquadramento como "fichas sujas" nas atuais eleições.

7. O senhor acha que o julgamento do “Mensalão” vai influenciar o trabalho dos magistrados no país, daqui em diante?

De forma alguma. Como já dito, se apenas um julgamento (por mais importante que possa parecer aos olhos da opinião pública) alterar o comportamento de um Magistrado, o problema está com o Magistrado. As influências que deve ter um Juiz são as de ordem intelectual, filosófica, literária, social, ideológica etc. Um Juiz pauta-se pelo que viveu, estudou e sentiu ao longo de sua vida e carreira. Trata-se de algo bastante complexo que inicia ainda nos Cursos de Direito, passa pelos critérios de recrutamento de novos juízes e perpassa toda uma carreira. Penso que de maneira alguma uma questão dessa magnitude possa ser mensurada por um único julgamento. Acredito firmemente que tampouco os atuais Ministros do STF mudarão suas condutas a partir deste julgamento. São homens e mulheres experimentados, vividos, em tese sábios, que tenho certeza vêem o julgamento com a importância que ele tem. Não mais do que isso. Guarda razão histórica e política para ser um "divisor de águas" no meio político-partidário, pela depuração que os partidos terão que ter na escolha de homens probos e comprometidos. O Judiciário faz sua parte na aplicação da lei, e é só.

 

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