Juiz compara abrigos de adolescentes infratores a “mini-presídios”

 

A situação dos centros de internação para adolescentes em conflito com a lei no Estado de Santa Catarina continua crítica. Entre os problemas estão denúncias de torturas e maus tratos, estrutura precária semelhantes à prisão, carência de atividades pedagógicas e profissionalizantes, transferência de jovens sem comunicar a Justiça, inexistência de medidas para separar os adolescentes de acordo com o delito praticado, falta de capacitação para servidores e um déficit de 200 vagas para internação em regime fechado.

Para o Juiz Corregedor da Coordenadoria da Execução Penal de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado, Alexandre Takashima, toda a estrutura dos centros de abrigos são como mini-presídios, basicamente de contenção e inadequadas para o projeto político pedagógico.

“Preocupa saber de toda uma geração que violou a Lei, porém, não podemos esquecer que esses adolescentes são resultados de uma questão social muito séria, que desde tenra idade tem seus direitos violados. A maioria deles passou pelo sistema de proteção, são ex-acolhidos, viveram a miséria, o abandono, violência, e por último o descaso de um sistema que se diz socioeducativo, mas funciona sob o foco da punição e contenção”, diz.

Diante da grave realidade, que em 2010 provocou o fechamento do Centro Educacional Regional São Lucas, autoridades da Secretária Estadual de Justiça e Cidadania e do Tribunal de Justiça Catarinense tiveram a oportunidade de apresentar para as coordenadoras do Programa Justiça ao Jovem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), juízas auxiliares Cristiana Cordeiro e Joelci Diniz, em visita ao Estado no mês de julho, as medidas que estão sendo tomadas para sanar o problema.

O ponto positivo é que Santa Catarina subiu para 9ª posição entre os Estados menos eficientes na recuperação de menores. Em 2010, a unidade federativa ocupava a 4ª posição.  Para a assistente social, Neylen Bruggemann Junckes, Assessora Sócio-pedagógica do Departamento de Administração Socioeducativa – DEASE-, embora sem orçamento próprio, essa melhora se deve a algumas medidas que foram tomadas desde que assumiu o cargo no departamento.

“Um grande avanço que conquistamos, desde que o CNJ passou por aqui, foi ter pelo menos um representante dentro de todas as unidades. Também oferecemos, em parceria com o Ministério Público e o Tribunal de Justiça, um colóquio que atingiu cerca de 60% das pessoas que compõem o sistema sócio-educativo, e que informou sobre as responsabilidades da lei do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo)”, informa.

Em 2010, quando o CNJ visitou o Estado e constatou as práticas irregulares de tortura, Neylen Junkes compunha o corpo técnico do antigo São Lucas. Para ela, existe uma intenção “perversa” da mídia em culpar o adolescente por toda a violência no Estado, e que, entre alguns agentes pedagógicos existe a idéia de que por ter cometido crime o adolescente merece ser castigado ainda mais, além da perda de liberdade.

“Muitas coisas aconteciam porque não tínhamos acesso. Eu não vi, mas não posso dizer que não existiu porque muitos adolescentes relatavam e a gente via marcas no corpo. O adolescente pode ser indisciplinado em um plantão e em outro não. Mas nos quatro anos em que trabalhei lá dentro o problema que tive não foram com os adolescentes, e sim, com os adultos”, diz.

Sobre a questão étnica e os problemas com o qual o sistema ainda sofre, a Assessora Sócio-pedagógica se mostra atuante. “Infelizmente nosso sistema é feito para punir pobre. A luta por respeito e dignidade humana faz parecer que estamos passando a mão na cabeça. Eu acredito que quem comete crime deve ser punido. Mas, faz parte da minha responsabilidade ética como profissional fazer garantir os direitos. Além disso, sendo mulher, não posso concordar com uma sociedade que pune os mais fracos, os pobres e os negros”, afirma.

Para Juiz Corregedor, Takashima, somente a atuação integrada entre os diversos setores do sistema pode contribuir para a melhora da situação. “O problema hoje não é de superlotação, porque o DEASE não deixa superlotar, ele nos nega vaga. O problema é a efetividade das políticas de reinserção social. Não há registro preciso sobre a efetividade. Precisamos desenvolver ações sociopedagógicas que promovam o desenvolvimento pessoal e social dos adolescentes”, ressalta.

Para se ter uma idéia do tamanho do problema, só agora o DEASE organiza um diagnóstico global sobre toda a estrutura do sistema, suas falhas e acertos, que ficará pronto possivelmente no mês de novembro. Na preliminar algumas discrepâncias já são sentidas, como centros de abrigo sem telefone, internet e com acesso físico muito difícil.

Outro grande problema que não está sendo tratado adequadamente é a dependência em drogas e álcool que, segundo o Juiz Corregedor Takashima, atinge cerca de 90% dos internos. “Não estamos dando tratamento adequado a esses problemas. Trabalhamos somente a questão da abstinência, deixando eles trancados, mas não tratamos os dependentes em álcool e drogas”.

Outras medidas que podem melhorar as condições do sistema é a construção de novos centros de atendimento. Em Joinville deve ser finalizada a obra de um novo abrigo até o final do ano, quando será realizado concurso público para a contratação de novos servidores. Já a construção do Centro de Atendimento Socioeducacional da Grande Florianópolis, no mesmo terreno que abrigava o São Lucas, não tem data para iniciar, pois um impasse entre o Governo do Estado e o Governo Federal impossibilita assinatura do convênio.

De acordo com a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, 40 itens do projeto precisam de adequação, entre esses itens está dúvidas sobre a qualidade do material a ser utilizado na obra e o orçamento total do projeto, que estaria superfaturado. Enquanto isso, a precariedade das instituições e o número de vagas reduzido – são 372 vagas destinadas a internação, internação provisória e semi-liberdade -, obrigaram juízes a liberar adolescentes apreendidos por não haver vaga em nenhuma das unidades de internação do Estado.

 

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