O que se quer com Inteligência Artificial no Poder Judiciário?

Discussões sobre inteligência artificial estão cada vez mais em pauta no Poder Judiciário brasileiro, especialmente após a implantação de plataformas de gestão de processos em diversos tribunais do país. Por isso, o tema ganhará destaque também durante o Encontro Estadual de Magistrados/Congresso CEJUR, que será realizado entre os dias 12 e 15 de setembro, em Florianópolis. Na conferência de abertura do evento, o ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino vai falar sobre as alternativas para gestão processual com o uso de Inteligência Artificial. 

Comumente o termo “Inteligência Artificial” é relacionado com a imagem de robôs que pensam e agem como humanos, numa analogia às cenas clássicas dos filmes de ficção científica. Porém, mesmo com muitos avanços no desenvolvimento de “substitutos” para os humanos (conhece a Sophia, desenvolvida pela Hanson Robotics em Hong Kong?),  diversas outras formas de Inteligência Artificial bem mais discretas já fazem parte da rotina de pessoas por todo o mundo.

A Inteligência Artificial se caracteriza por sistemas de learning machine ou, em uma explicação simples, algoritmos que são treinados a partir de uma grande base de dados. Exemplos desses algoritmos no cotidiano são os sistemas de busca que consideram o histórico de preferências do usuário para oferecer melhores resultados e aplicativos que calculam rotas e são capazes de sugerir o melhor caminho para voltar para casa em um dia de trânsito complicado. Toda vez que você tem a impressão de que a máquina “leu seus pensamentos” ou antecipou uma necessidade sua, você provavelmente está diante de um sistema de IA.

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Iniciativas pioneiras

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina ainda não conta com a ajuda dos algoritmos para a gestão de processos nos gabinetes de magistrados, mas iniciativas neste sentido já estão funcionando em dezenas de tribunais do Brasil, entre eles Pernambuco, Minas Gerais, Rondônia e Rio de Janeiro, e  inclusive nas Cortes Superiores. O robô que está em fase de testes para operar no STF tem até nome: Victor será o primeiro servidor robô a trabalhar na mais alta corte brasileira. O STJ também iniciou, no ano passado, a implantação de soluções de inteligência artificial nas rotinas relacionadas ao processo eletrônico.

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A advogada especialista em Proteção de Dados e Privacidade Thays Joana Tumelero explica que atualmente o Poder Judiciário brasileiro utiliza recursos de inteligência artificial para fins mais simples, como a leitura de documentos e classificação de processos. Isso evita o trabalho repetitivo de dezenas ou centenas de servidores, mas representa apenas parte do que as máquinas são capazes de fazer. No sistema elaborado pelo STJ, por exemplo, os algoritmos verificam o assunto e classificam os processos que entram no tribunal, agilizando a fase de distribuição. O próximo passo é deixar que os robôs verifiquem os dispositivos legais apontados como violados em cada processo.

O juiz Alexandre Morais da Rosa que também é professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Univali e pesquisador de novas tecnologias aplicadas ao direito acredita que o trabalho dos magistrados em gabinete poderia ser facilitado com o auxílio de inteligência artificial. “As máquinas são capazes, com alto grau de acurácia, de preparar argumentos para que sejam posteriormente revisados pelo magistrado, que fará a validação final. São ferramentas para dar apoio à decisão”, destaca.

Desafios e resistências

Sistemas de inteligência artificial que extrapolam a simples promoção de agilidade na tramitação de processos já têm sido questionados, do ponto de vista legal e também ético, em diversas partes do mundo. Isso porque, se os algoritmos são capazes de ler processos e sugerir classificações e procedimentos, eles também podem ser usados para estudar padrões de decisão dos magistrados e apontar “tendências” em ações específicas. 

Empresas do setor de mineração de dados já têm utilizado essas ferramentas para analisar o perfil de juízes de acordo com suas decisões anteriores. Recentemente, a França aprovou uma lei que proíbe esta prática no país. “Esta é uma decisão recente que com certeza ainda vai gerar muito debate, mas é importante destacarmos que apesar de os dados de decisões judiciais serem públicos, isso não significa que podem ser usados para qualquer fim”, afirma Tumelero.

Para além das experiências ainda questionáveis, é fato que o Poder Judiciário nem sempre acompanha o ritmo de inovações tecnológicas disponíveis que podem melhorar a prestação jurisdicional. Para o juiz Alexandre Morais da Rosa, a resistência às inovações pode estar ligada à necessidade de aprender a lidar com testes e falhas. “A lógica da inovação que permeia os projetos de Inteligência Artificial é diferente da lógica que predomina no Poder Judiciário. Ela pressupõe riscos porque trabalha com o erro. As máquinas aprendem também com o erro e isso faz parte do processo para torná-las mais eficientes”, conclui.

A especialista Thays Joana Tumelero também acredita que a transformação digital é um movimento inevitável que já está ocorrendo nas organizações. Mas ao contrário das previsões apocalípticas que apontam uma total substituição do trabalho dos operadores do direito pela mão de obra de robôs, Thays aposta num cenário onde homem e máquina se complementam: “Nenhuma solução tecnológica vem com criatividade, sensibilidade e ética. Esses são elementos comuns aos operadores do direito que a Inteligência Artificial não é capaz de substituir”, conclui.

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