No mês de aniversário de 17 anos da Lei Maria da Penha, a Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) destaca projetos de Juízes e Desembargadores realizados em todas as regiões do estado pelo fim da violência contra a mulher.
As iniciativas se tornam ainda mais relevantes devido ao crescente número de casos de violência doméstica e familiar que chegam ao Poder Judiciário todos os dias. Somente nos seis primeiros meses de 2023 cerca de 12 mil medidas protetivas foram concedidas por Juízes catarinenses às vítimas de violência. O número de novos feminicídios também chama atenção: 61 novos casos chegaram ao gabinete dos Magistrados catarinenses.
“Os projetos realizados pelos Magistrados mostram que o papel social do Juiz vai muito além do julgamento de processos. São iniciativas importantíssimas, que colaboram para a construção de uma sociedade mais justa e menos violenta”, destaca o diretor do Departamento de Comunicação da AMC, Juiz Paulo Eduardo Huergo Farah.
Confira, abaixo, alguns dos projetos realizados em diferentes regiões de Santa Catarina, que se somam ao trabalho diário realizado pelos Magistrados em todo o estado.
Pensando em diminuir o alto índice de reincidência criminal, Santa Catarina conta com três projetos que buscam reunir homens autores de crimes de violência doméstica em diferentes regiões do Estado. O objetivo é, por meio de grupos reflexivos, conscientizar os agressores e ressignificar as atitudes para que entendam o problema da violência doméstica contra a mulher.
Projeto Ágora
MARCELO VOLPATO – Florianópolis
O Juiz Marcelo Volpato de Souza, titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital, coordena o projeto Ágora. O trabalho é realizado desde 2019, em parceria com uma equipe de profissionais liderados pelo psicólogo e professor da UFSC Adriano Beiras, do Departamento de Psicologia da UFSC.
“O projeto possibilita a existência de um espaço humanizado que busque interromper o padrão da violência doméstica baseado em crenças, posturas e atitudes disfuncionais, principalmente no que envolve a desqualificação da mulher”, destaca Marcelo Volpato.
Outro Mundo é Possível
RODRIGO CLIMACO JOSÉ – Rio Negrinho
O Magistrado Rodrigo Clímaco José, titular da 2ª Vara de Rio Negrinho, coordena projeto semelhante no Planalto Norte catarinense. São realizados encontros mensais com homens envolvidos em casos de violência para a promoção de atividades pedagógicas e reflexivas. Os homens têm acesso às discussões sobre temas como saúde financeira, alcoolismo, questões psicológicas, machismo estrutural e a Lei Maria da Penha.
O Juiz explica que o principal objetivo é a diminuição da reincidência de crimes contra a mulher:
“Sabemos que a imposição de pena não vai mudar em nada o comportamento do agressor. Por isso, com a conscientização, esperamos conseguir mudar a mentalidade desses agressores e evitar que pratiquem novas condutas. Assim, ganha a sociedade com a reinserção de pessoas que saberão lidar melhor com suas emoções e atitudes”.
Projeto Refletir
GIUSEPPE BATTISTOTTI BELLANI – Chapecó
O Projeto Refletir é organizado pela Central de Penas e Medida Alternativas de Chapecó e recebe atenção do Magistrado Giuseppe Battistotti Bellani. A iniciativa também atende autores de violência doméstica encaminhados para cumprimento de alternativa penal de Medida Protetiva de comparecimento obrigatório a programas de recuperação e reeducação.
A iniciativa surgiu em 2017 a partir da necessidade de promover, além da proteção às vítimas, a responsabilização dos autores da violência doméstica contra a mulher, com o objetivo de questionar suas visões e conceitos sobre as relações de gênero e, portanto, seus comportamentos violentos.
“Considerando que a violência doméstica é um problema que atinge muitas mulheres, em grande número de vezes de forma silenciosa e dissimuladamente, o Projeto Refletir busca promover a responsabilização dos homens autores dessa violência. Deste modo, torna-se importante para a sociedade em razão do seu intuito que é minimizar os índices de reincidência”, explica o Juiz.
Protocolo de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica e Sexual
MARCIANO DONATO – Meleiro
O protocolo criado na comarca de Meleiro, no sul do Estado, sob supervisão do Juiz Marciano Donato, busca organizar e padronizar os atendimentos em rede prestados às vítimas de violência doméstica.
Foi criado um grupo de trabalho formado por profissionais que atuam na rede de atendimento dos municípios de Meleiro e Morro Grande, com o objetivo de traçar alguns procedimentos de atendimento relacionados as pessoas em situação de violência doméstica. Hoje todas as vítimas são encaminhadas e atendidas pela rede de apoio com base nas regras do protocolo.
“No próprio despacho que concede a medida protetiva é determinado que a situação seja oficiada. As equipes de atendimento procuram, então, a pessoa vítima para oferecer algum tipo de atendimento apresentado no protocolo”, explica o Magistrado Marciano Donato.
O Juiz afirma, ainda, que o protocolo contribuiu para a mudança de olhar dos profissionais que atuam na rede de atendimento, porque muitas vezes não se sentiam seguros em abordar e atender determinadas situações.
“Com o despacho judicial, tornou-se uma obrigação da rede, em que pese as recusas no atendimento ou as dificuldades de sua implementação. Além disso, campanhas de esclarecimento e conscientização a respeito desses temas passaram a ser praxe nos municípios, atuando como facilitadores para identificar várias situações de violência, especialmente relacionadas a violência sexual contra crianças e adolescentes”.
Projeto Verbaliza
RODRIGO COZER – Cunha Porã
O Juiz Rodrigo Cozer é um dos incentivadores da iniciativa que procura desenvolver e potencializar o autocontrole emocional de crianças e adolescentes por meio de dinâmicas, discussões e atividades lúdicas realizadas em escolas da cidade.
A oficina Verbaliza consiste em habilitar crianças e adolescentes para a identificação, o reconhecimento e o gerenciamento das reações físicas e comportamentais desencadeadas pelas emoções e sentimentos. O projeto busca reflexões sobre todos os tipos de sentimentos para que as crianças e adolescentes consigam identificar quaisquer situações de violência em que possam estar inseridas e não se tornem adultos violentos no futuro.
O projeto iniciou no ano de 2021, em Cunha Porã, no Oeste catarinense, e agora será estadualizado, com projeto piloto também em Biguaçu.
“Eu acredito muito no manejo emocional das relações, a partir de uma comunicação e do entendimento dos nossos sentimentos. Descobrindo esse projeto realizado pela psicóloga Taís Boneti e pelo município de Cunha Porã eu identifiquei ali uma oportunidade de auxilio no combate à violência como um todo na nossa sociedade, principalmente a violência doméstica”, relata o Magistrado.
Lei Maria da Penha traduzida por mulheres indígenas
HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO – Santa Catarina
Mulheres indígenas estão participando de projeto da Coordenadoria Estadual de Violência Doméstica do PJSC (Cevid), que está traduzindo a Lei Maria da Penha para línguas faladas nas aldeias Kaingang, Guarani e Xokleng. O projeto foi inspirado em iniciativa semelhante desenvolvida pelo Poder Judiciário do Mato Grosso Sul.
A Lei Maria da Penha foi apresentada para lideranças indígenas das etnias Kaingang, Guarani e Xokleng, mediante realização de rodas de conversas virtuais. Num segundo momento ocorreu a tradução e a impressão das cartilhas traduzidas nas línguas nativas.
“Queremos divulgar a Lei Maria da Penha e disseminar informações para os povos indígenas nas línguas de origem, por meio de rodas de conversas, de conteúdos gravados e de cartilhas transcritas”, destaca a Desembargadora Hildemar Meneguzzi de Carvalho, coordenadora da Cevid.
Programa Indira: pelas Mulheres do PJSC
HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO – Santa Catarina
O Programa Indira: pelas Mulheres do PJSC surgiu em agosto de 2022 a partir da Recomendação CNJ e do Protocolo Integrado de Prevenção e Medidas de Segurança voltado ao Enfrentamento à Violência Doméstica praticada em face de Magistradas e Servidoras. Organizado pela Cevid, o objetivo do programa é estabelecer políticas, diretrizes e ações que contribuam para a implementação do protocolo integrado de prevenção e medidas de segurança voltadas ao enfrentamento da violência doméstica e familiar praticada contra Magistradas, servidoras, residentes, estagiárias, profissionais terceirizadas e comissionadas do PJSC.
Palestras educativas e de reflexão
PAULO EDUARDO HUERGO FARAH – Joinville
O diretor de comunicação da AMC e titular da 3ª Vara da Família de Joinville, Juiz Paulo Eduardo Huergo Farah, realizou uma série de palestras no último ano para tratar da violência doméstica e familiar em Joinville – uma das cidades com maior número de incidências e casos de violência doméstica em Santa Catarina. Foram concedidas cerca de 560 medidas protetivas nos seis primeiros meses de 2023 somente em Joinville.
Em julho, ele participou de uma audiência pública na Câmara de Vereadores da cidade para debater com o Legislativo ações de combate à violência contra a mulher. O Magistrado falou sobre a Lei Maria da Penha e os impactos da transformação da 4ª Vara Criminal em Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e Crimes contra a Criança e o Adolescente. Também palestrou no palco principal da 19ª edição da Feira do Livro de Joinville, sobre o assunto.
Varal de Poesias
MARCIANA FABRIS – Xaxim
A Magistrada Marciana Fabris, titular da 1ª Vara de Xaxim esteve com estudantes da rede pública do município para falar sobre violência doméstica e familiar. O encontro fez parte da programação do Projeto Varal de Poesias, realizado pela Secretaria Municipal da Mulher, Juventude e Terceira Idade de Xaxim.
Com base na conversa com a Juíza, os alunos vão produzir poesias sobre o tema e os três melhores trabalhos serão premiados. O objetivo é, por meio do diálogo, prevenir futuros casos de violência e conscientizar os adolescentes sobre as leis que protegem as mulheres.
Acolher para Proteger
RAFAELA VOLPATO VIARO – Caçador
O projeto liderado pela Juíza Rafaela Volpato Viaro, titular da Vara Criminal da comarca de Caçador, busca criar um espaço de acolhimento para as vítimas de violência doméstica que, manifestam vontade de retirar medidas protetivas anteriormente deferidas. O trabalho surgiu a partir da percepção da equipe do Fórum de que muitas vítimas de violência acabavam pedindo a retirada da medida protetiva porque mantinham uma dependência financeira ou psicológica dos agressores.
A partir daí, buscaram o apoio do Curso de Psicologia da Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (Uniarp), como uma estratégia para o enfrentamento da violência de gênero contra as mulheres. O procedimento estabelecido pelo projeto possibilita que as vítimas recebam atendimento psicológico quando comparecem em cartório para manifestar interesse em retirar a medida protetiva. O atendimento é feito pelos acadêmicos de Psicologia e se estende pelo tempo necessário, de acordo com cada caso.
Busca-se, com isso, reduzir a reiteração da violência doméstica e familiar na comarca de Caçador e ampliar a rede de proteção às vítimas de violência doméstica.
“A experiência tem demonstrado que o acolhimento e o oferecimento de espaço de escuta ativa para mulheres em situação de violência auxiliam no reestabelecimento da segurança emocional, no empoderamento, na autonomia e na proteção adequada para estas mulheres”, destaca a Juíza.