Quando foi chamada para cooperar com o programa Lar Legal, a Juíza Liana Bardini Alves já sabia que o desafio seria enorme, mas ela não imaginava o tamanho da satisfação que teria com o trabalho. O programa é uma iniciativa do Poder Judiciário de Santa Catarina (PJSC) para a legalização de títulos de propriedade para famílias de baixa renda que vivem em loteamentos clandestinos ou comunidades empobrecidas, sem condições financeiras nem acesso à regularização por meio da Justiça comum.
Desde quando começou a atuar no programa, Liana viu a vida de muitas pessoas mudar, mas foi a entrega de títulos em Chapecó, em 2019, que mais marcou a Juíza. Moradores dos bairros Vila Rica, Efapi, Santa Luzia e Passo dos Fortes esperavam há anos pela regularização das casas.
“Quando eu fui na entrega, vi pessoas acreditando novamente na vida e quando voltei, anos depois, pude ver as mudanças na comunidade: casas pintadas, muros erguidos, famílias que puderam recomeçar”, conta a Magistrada.
O Juiz Fernando Seara Hickel, que também atua como cooperador do programa, concorda: “Parece algo muito simples para nós que tomamos decisões todos os dias, mas a entrega para as famílias é muito significativa. Só temos noção do alcance do programa quando acompanhamos uma entrega e ouvimos as pessoas”, explica. O título de regularização permite, por exemplo, a obtenção de financiamento nos bancos para reformar as casas ou que possam ser deixados como herança.
A mais recente entrega ocorreu em maio, em Gaspar e Jaraguá do Sul. Foram 236 títulos entregues nas duas regiões. O evento contou com a participação de representantes do PJSC, como o Desembargador Selso de Oliveira, coordenador do programa desde 2019. Para ele, o momento da entrega dos títulos de propriedade é muito valioso: “O sentimento que fica é que nós, Juízes, estamos junto das pessoas, que compreendemos seus anseios”, explica.
“Esse contato com a população, em um momento tão relevante como é o de estar recebendo um título de propriedade de moradia, acaba por engrandecer o Poder Judiciário na medida em que os destinatários conseguem nos ver de perto e, quem sabe, reconhecer a importância do nosso engajamento para o alcance de um vital e precioso bem de vida. Sem contar que essa troca de experiências nos permite conhecer mais diretamente a realidade vivenciada por pessoas que carecem da nossa efetiva atuação”, conta o Desembargador.
Ao longo do tempo, de acordo com o Desembargador, o programa vem se aprimorando. Desde 2016, o PJSC designa três Juízes no Estado para assumir todos os processos de títulos de posse. Fernando e Liana integram o Lar Legal desde 2016 e, em 2022, o Juiz Klauss Corrêa de Souza também passou a atuar como Juiz cooperador, após a saída da Juíza Iolanda Volkmann, que assumiu outra função no PJSC. Os três Magistrados acumulam as decisões do programa com as demandas diárias das Varas onde atuam. “A condução dos processos por Magistrados cooperadores se mostrou um facilitador para que as demandas ganhassem celeridade, efetividade e segurança jurídica”, explica o Desembargador.
O Juiz Fernando relata que as decisões proferidas em processos do programa trazem uma satisfação extra aos magistrados:
“Ao contrário dos processos comuns, onde nossas decisões sempre acabam desagradando uma das partes, os casos do Lar Legal sempre trazem benefícios para todos”, conta.
Somente nos primeiros meses deste ano já foram entregues 933 títulos de propriedade para famílias das cidades de São Francisco do Sul, São José e Palhoça. “Com o Lar Legal, vemos vidas se transformarem. É gratificante sair do gabinete e enxergar como a Justiça pode ser transformadora”, explica Liana. Mais de 24 mil títulos de propriedade de famílias carentes no Estado foram regularizados desde 1999, quando o Lar Legal surgiu.
Para ingressar na Justiça por meio do Lar Legal é necessário reunir, no mínimo, 10 famílias interessadas na regularização e cadastrar os moradores e seus imóveis com o apoio da administração pública municipal. É regra que as famílias vivam no imóvel por pelo menos cinco anos, além de que a moradia não esteja em áreas de risco ou de preservação permanente.
A triagem e o cadastro das famílias é feito, em geral, por advogados ou diretamente pelas prefeituras municipais. O trabalho envolve o levantamento de documentos, a produção de uma planta simplificada da área e a elaboração de um memorial com as características da região. Com o cadastro efetuado, o processo é encaminhado à justiça para que o Magistrado analise o pedido e profira a decisão coletiva.
Além do benefício para o morador, as prefeituras conseguem, a partir da regularização, começar a cobrar impostos tributários, que retornarão à sociedade em serviços públicos na região. A iniciativa catarinense foi finalista da 17ª edição do prêmio Innovare em 2020 e já inspirou outros Tribunais do país a realizar o mesmo projeto. “O apoio dos poderes públicos é fundamental para que a iniciativa funcione. Quero mais é que nos copiem e se inspirem na nossa iniciativa, isso significa que mais vidas e famílias serão impactadas com o programa”, relata Liana.