Nos últimos dias circulou notícia de que alguns Juízes – de outros estados da federação – não teriam seguido a determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para retorno do trabalho presencial, postulando a manutenção do sistema de trabalho virtual adotado durante a pandemia, ensejando a manifestação de algumas entidades, dentre elas a Ordem dos Advogados – OAB.
Essas notícias, sem prévia investigação de sua procedência ou a sua pertinência em âmbito local, têm por finalidade atrair holofotes e autopromoção, à custa do desgaste da imagem dos Juízes, sem trazer nenhuma contribuição à seriedade e debate relevante sobre esse tema, em especial ao destinatário final do sistema de Justiça, que é a sociedade.
Em Santa Catarina, o Poder Judiciário respeita e exige o cumprimento da determinação do CNJ para o retorno ao trabalho presencial, não especificamente pela vontade do órgão de classe dos advogados, mas sim pela postura dos Magistrados e pela consciência que tem sobre a relevância da presença física do Juiz nas comarcas.
Tão logo o CNJ deliberou pelo retorno do trabalho presencial, a Presidência do TJSC e a Corregedoria-Geral da Justiça editaram ato normativo nesse sentido. Isso se deu sem necessidade de qualquer solicitação por parte da OAB.
Não obstante, assim como reconhece a própria OAB, a compatibilidade e coexistência dos sistemas de trabalho – presencial e virtual – é algo que precisa ser debatido antes de declarar que não serve ou é inapropriado, pois ficou demonstrado que as novas tecnologias ampliaram o acesso à jurisdição, facilitaram o acompanhamento e participação da população em milhares de atos processuais, permitiram o atendimento de advogados de outras cidades e Estados, além da sensível redução de custos com a manutenção de serviços necessários ao trabalho até então exclusivamente presencial. Mesmo diante das mais diversas dificuldades, milhares de audiências foram e são realizadas por meio virtual, permitindo aos advogados e ao jurisdicionado a participação aos atos processuais sem necessidade de deslocamento, podendo conciliar a necessária presença em atos processuais com outras atividades igualmente relevantes.
Sabe-se que a pandemia trouxe ao Poder Judiciário práticas adotadas, com sucesso, por grandes empresas. Essa nova realidade também se repetiu no setor público, conforme números apresentados pelo CNJ, demonstrando aumento exponencial da produtividade e redução substancial de custo de manutenção do Poder Judiciário, o que consagra princípios constitucionais, como a eficiência, publicidade e economicidade. É justamente o que a sociedade espera dos Tribunais e de seus Juízes. Não por acaso, nesse período de virtualização do trabalho, o Poder Judiciário catarinense recebeu “selo ouro” conferido pelo CNJ pela qualidade da sua prestação jurisdicional.
O posicionamento da OAB no sentido de que o Juiz sempre deve estar presencialmente no fórum, enquanto aos advogados caberia hipoteticamente a prerrogativa de escolher entre o fórum, o seu escritório, ou sua casa, revela-se contraditória e inapropriada, até porque pelas leis processuais a presidência da audiência compete ao Magistrado (o advogado possui capacidade postulatória), assim como a deliberação sobre sua modalidade.
Não podemos esquecer que a jurisdição não depende necessariamente da atuação presencial do Juiz e a sua virtualização é fenômeno universal, inclusive em outros países e sistemas, onde vigora a regra da presencialidade. Neste contexto, é importante destacar o inovador Programa Justiça 4.0 desenvolvido pelo CNJ, que tem por objetivo justamente tornar o sistema Judiciário mais próximo da sociedade, inovador e eficiente, ao disponibilizar o uso de novas tecnologias, garantindo mais celeridade, governança e transparência aos processos.
Sem o debate técnico das vantagens e desvantagens de cada um dos sistemas, não devemos retroceder ao modelo presencial obrigatório e inflexível, abandonando, por consequência, todo o avanço tecnológico conquistado, assim como não se pode deixar de registrar que os advogados foram protagonistas desse cenário de trabalho não presencial, quando buscaram alternativas para a realização de audiências que não poderiam ser realizadas presencialmente pela pandemia e restrições sanitárias.
Juízes Marcelo Pizolati, Paulo Eduardo Huergo Farah e Leandro Passig Mendes
presidente, diretor de Comunicação e diretor de Valorização Profissional da AMC