Prestes a completar um ano, a pandemia do coronavírus ainda é uma realidade para os brasileiros. Agora, porém, com duas vacinas aprovadas pela Anvisa, há esperança de que a situação seja controlada o quanto antes. Neste momento decisivo, a Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) convidou o médico Murillo Capella, uma das maiores referências médicas em Santa Catarina, para falar sobre a atual situação sanitária e a perspectiva de vacinação no estado.
Murillo Capella é formado em medicina na Universidade Federal do Paraná, com residência médica em Cirurgia Geral e cursos de aperfeiçoamento em Cirurgia Pediátrica no Hospital das Clínicas de São Paulo e em hospitais pediátricos no México, Boston, Barcelona, Miami, Washington e Nova Iorque. Foi vice-prefeito de Florianópolis, secretário municipal de Saúde e superintendente da Fundação Hospitalar. Foi também diretor do Hospital Infantil Joana de Gusmão e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Pediátrica. Atualmente é professor de Ética Médica e Bioética do Curso de Medicina da Unisul – Pedra Branca, em Palhoça, e diretor técnico da Clínica Capella Saúde.
Na entrevista concedida para a AMC, o médico falou sobre a atual situação do coronavírus no estado, sobre os impactos da pandemia e as previsões para a vacinação.
Como o senhor avalia a situação da pandemia em Santa Catarina? Podemos chamar esse momento, em que o número de casos está crescendo exponencialmente, de segunda onda?
O número de casos aumentou bastante no nosso Estado, com o pico no mês de dezembro, em função de medidas assumidas pela população que não seguiu as orientações das autoridades sanitárias. Não é uma segunda onda.
Esse resultado nos números é uma consequência das férias e do final de ano em SC? A situação poderia ter sido evitada?
Sim. Incluo as eleições de novembro como responsável também pelo aumento do número de casos da Covid 19. Embora tenha havido orientações na mídia de como proceder, houve aglomerações. Junto com as festas natalinas e as de final de ano, com as pessoas confraternizando, seria difícil esse número de casos não aumentar.
Diante dos números ruins, há uma esperança: a vacinação. Como o senhor avalia a eficácia das vacinas que estão sendo produzidas?
Realmente, a vacinação é a grande esperança para amenizar a situação em que o país e o mundo se encontram.
Pelas informações científicas que recebo diariamente, todas as vacinas até então disponíveis são adequadas para esse momento que vivemos. Cada uma tem características próprias e resultados semelhantes. Temos que confiar.
Existe muita” fake news” sobre as vacinas. Há alguma maneira de conscientizar a população?
As “fake news” partem de pessoas derrotistas que querem tumultuar a única maneira, junto com medidas sanitárias, de combater o vírus. Recentemente, publiquei artigo no Jornal ND, intitulado “Vacina para todos”, em que cito dois momentos históricos de grande importância. O primeiro ocorrido em 1904, quando o médico Oswaldo Cruz, Diretor de Saúde Pública do Rio de Janeiro, de forma audaciosa, ousada e agressiva, contra a opinião de muitos, através da vacinação em massa e de ações de saúde pública, erradicou a varíola, doença que dizimava a vida de milhares de pessoas. O segundo, ocorrido no início dos anos 80, quando o então governador do Estado Jorge Konder Bornhausen trouxe a Florianópolis o médico e cientista Albert Sabin que , propondo e realizando vacinação em massa ,erradicou a poliomielite em SC. Este programa tornou-se nacional e a doença foi erradicada em 1981. Assim, a população precisa se vacinar.
Mesmo que tenhamos essa atual esperança, não podemos negar que a pandemia trouxe diversos impactos para todo o país. Para os profissionais da saúde, quais foram os principais impactos da pandemia?
Quero dividir os impactos em negativos e positivos. Dentre os primeiros, cito o óbito de vários profissionais que se dedicaram, de corpo e alma, aos pacientes portadores da doença. E aqueles que, de plantão contínuo, ficam muito tempo longe de seus familiares. Foram e são gestos de grande solidariedade. Cito também os efeitos negativos sobre a economia, no momento em que clínicas e hospitais foram fechados, procedimentos eletivos e exames complementares deixaram de ser realizados, atingindo, como consequência, os pacientes. Sobre os aspectos positivos, realço, dentre outros, a formação de grupos de médicos nas redes sociais, com a troca de experiências no atendimento aos pacientes e a discussão de centenas de trabalhos científicos produzidos pelas mais diferentes e confiáveis revistas científicas, nacionais e internacionais, o que permitiu e vem permitindo que a classe médica fique continuamente atualizada sobre o assunto Covid 19. As entidades médicas (ACM,CRM e Sindicato) desempenham importante papel com posicionamentos que visam melhorar a assistência à população.
Como o senhor avalia a atuação das autoridades até agora e o que espera para que o processo de vacinação em massa ocorra bem em SC?
Partindo do simples princípio do que “aquilo que é bom para São Paulo não é para o Piauí, e o que é bom para Florianópolis não é bom para São Miguel d’Oeste”, por exemplo, sempre entendi que as medidas sanitárias determinadas pelas autoridades deveriam ser adotadas de forma progressiva, analisando a situação de cada região do país e do Estado. Fechar tudo e exigir o confinamento de forma generalizada , simultaneamente, para todas as regiões foi uma medida precipitada. Era preciso aguardar e analisar a evolução da doença e recomendar que as medidas de saúde pública fossem implementadas. Outro problema, acredito que por fruto do desconhecimento, foi menosprezar o quadro clínico inicial e propor que as pessoas fossem procurar tratamento em hospitais quando tivessem sintomas bem evidentes e mais graves da doença. Não se falava em tratamento precoce. Sobre isso, escrevi artigo que veiculou nas redes sociais, sobre a autonomia do médico de decidir o melhor para o seu paciente em qualquer momento; a prescrição é dele, sem interferência política ou ideológica. A medicina baseada em evidência deve conduzir as ações, sem menosprezar a medicina baseada em vivência, em experiência. O tempo passou, o vírus continua solto, mais conhecimentos foram adquiridos, mais se deve valorizar o hábito de lavar bem as mãos com sabão, o uso do álcool em gel e da máscara e o distanciamento social. Mesmo com as vacinas, essas medidas vão persistir por algum tempo. Para que a população aceite a vacinação de forma consciente, será necessária campanha de conscientização pública veiculada pela mídia falada, televisiva e impressa, repetidas vezes, e, através delas, ouvir a palavra de pessoas de elevado saber sobre o assunto. As entidades de profissionais da área da saúde também devem se manifestar, recomendando o uso da vacina.
Por fim, quais as perspectivas para a pandemia daqui pra frente?
Uso desta oportunidade para recomendar a leitura do livro recém lançado RETRATOS – PANDEMIA 2020, que tem como autor e organizador o médico oncologista Luiz Alberto Silveira, com depoimentos de 56 co-autores de todas as áreas de nossa sociedade. É uma leitura obrigatória. Quanto às perspectivas para a pandemia, daqui pra frente é combatê-la com vacinas e com adoção de um estilo de vida saudável que vise a saúde das pessoas. Uso a frase de Kim Phuc, a menina que correu nua com queimaduras generalizadas na Guerra do Vietnã, cuja foto ganhou o mundo, e que tive a honra de conhecer pessoalmente: “Ninguém pode mudar o passado, mas cada um pode trabalhar por um futuro melhor”.
*Foto: Anderson Coelho/Divulgação ND