Em um positivo balanço de 2020, o juiz auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina Romano José Enzweiler fala sobre a atuação do Judiciário durante a pandemia e o trabalho remoto, os cuidados financeiros durante este período e as perspectivas para 2021.
Nesta entrevista especial para a AMC, Romano, que já foi diretor da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, comenta sobre a relação entre a Associação e o Tribunal e destaca a importância da parceria na luta pelos interesses da magistratura.
Como foi conviver com o “vazio” inédito do prédio do TJSC nos últimos meses?
Ninguém da nossa geração passou por uma situação sequer parecida com esta que presenciamos em 2020. Mesmo diante da desinformação sobre a pandemia, desconhecimento esse que em parte ainda persiste, a administração do PJSC agiu rapidamente, em várias pontas. Uma das medidas foi o “esvaziamento” dos prédios para proteger a vida e a saúde de todos. A sensação de vazio dos prédios é realmente estranha, desconfortável. Mas a experiência serviu para repensar modelos de trabalho, ocupação de espaços, para gestar alternativas inteligentes e econômicas, para nos readequarmos a esse momento pós-Covid. E muitas coisas, de fato, começaram a mudar.
Adaptações e ajustes na gestão financeira foram inevitáveis para muita gente, por causa da pandemia, e no PJSC não foi diferente. Qual era a principal preocupação quando, em abril deste ano, houve o anúncio do congelamento das despesas do Poder Judiciário catarinense?
O PJSC tem como principal fonte de receitas o duodécimo, o repasse que nos é feito todos os meses pelo Governo. Esse dinheiro vem, como sabemos todos, dos tributos arrecadados. Como houve a parcial paralisação das atividades econômicas, a arrecadação estadual sofreu acentuada queda. Também foram afetadas outras importantes fontes de receitas do PJSC, como o Sidejud, por conta da baixa da Taxa Selic. A arrecadação do Fundo de Reaparelhamento, por sua vez, apresentou muitos resultados preocupantes. O momento era de total incerteza, os mercados operavam sem radar e tudo isso influenciou para que fôssemos extremamente cautelosos com os gastos. Ninguém sabia quanto tempo iria durar a situação e como isso afetaria as nossas finanças. Em alguns Estados da federação, apenas para ilustrar, houve o corte linear de subsídios e salários, a fim de adequar receitas e despesas. A gestão responsável adotada pela administração presidida pelo Desembargador Ricardo Roesler, que apoiou incondicionalmente todas as medidas sugeridas pela equipe técnica, capitaneada pelo competentíssimo Diretor da DOF, Dr. Eduardo Cardoso Silva, e que contou em todos os momentos com a análise percuciente do Dr. Cleon Bassani Ribas, tomou a difícil – mas imprescindível – decisão de “congelar” despesas, através de Resolução confeccionada a muitas mãos e que teve a participação fundamental dos Diretores-Gerais Administrativo (Dr. Rodrigo Peron) e Judiciário (Dr. Maurício Walendowsky Spricigo).
Quais foram as principais medidas para o ajuste financeiro e qual a situação atual?
Através da Resolução GP 14/2020, definimos o “congelamento” das despesas, otimizamos receitas, promovendo ajustes no Sidejud. Para tanto, adotamos o cenário pessimista na avaliação da implementação de novas despesas no âmbito do PJSC, em especial com relação àquelas de caráter continuado. Se não o fizéssemos, corríamos o sério risco de comprometer nossa capacidade de honrar com os compromissos legais e contratuais assumidos. Definimos o acompanhamento acurado da arrecadação dos tributos estaduais para termos tempo de nos adequar, caso necessário, evitando sempre os sacrifícios desnecessários e, noutro giro, precatando a instituição de eventual ausência de recursos para pagamento das despesas ordinárias, como salários e subsídios, por exemplo. Determinamos, num primeiro momento, por ser imprescindível, a suspensão do provimento de cargos (independentemente da etapa na qual o processo administrativo se encontre), da concessão de gratificações, de pagamento de indenizações de férias e licença-prêmio não usufruídas e da concessão de quaisquer vantagens e aumento de remuneração. Também diferimos o pagamento dos valores decorrentes da concessão de promoções, triênios e benefícios (auxílio-saúde, auxílio-creche e auxílio médico-social) para quitação em época oportuna, quando do restabelecimento do fluxo de receitas. Foram medidas duras e antipáticas, mas que se mostraram absolutamente acertadas. Paulatinamente, à medida que os cenários se modificavam, fomos descontingenciando, chegando à quase normalidade no momento. Todavia, o quadro ainda inspira cuidados, e mensalmente emitimos memorandos para documentar a saúde financeira do PJSC.
Se por um lado foi necessário economizar, por outro, como foi o suporte aos magistrados e servidores para a instalação e o funcionamento do sistema de home office?
O PJSC, ao contrário do que ocorreu noutros TJs, como o de São Paulo, por exemplo, permitiu que os servidores e magistrados levassem os equipamentos de informática para suas casas. Não só isso. Também cadeiras e o que mais fosse necessário para que pudéssemos trabalhar em home office. E a resposta de todos foi realmente espetacular, atingindo-se níveis de produtividade muito acima da média nacional, com trabalho seguro dentro de casa. A adaptação ao novo modelo de trabalho foi surpreendente, o que nos incentivou a elaborar normativas sobre home office e coworking, pioneiras no Brasil. Também a Diretora de Saúde, Dra. Graciela de Oliveira Richter Schmidt, registro, teve papel fundamental na formulação de políticas de prevenção e saúde para todos os do PJSC, com orientações precisas e qualificadas. Enfim, o sentimento de pertencimento não foi apenas um bordão da administração, mas uma prática efetiva construída todos os dias.
Ao olhar para a atuação do Poder Judiciário diante deste ano, qual avaliação o senhor faz da atuação dos magistrados e servidores?
Sou magistrado faz 28 anos. Portanto, não me surpreendo facilmente com a capacidade, força de trabalho, dedicação, empenho e entrega dos colegas. Porém, nestes muitos meses de pandemia, admito que fiquei realmente impressionado com o que pessoas sérias e motivadas são capazes de fazer, havendo comando sereno e planejado. Neste sentido, a Asplan, coordenada pelo Dr. Cassiano Reis, e a DTI, sob a responsabilidade da Dra. Anna Claudia Kruger, deram mostras de criatividade, inventividade e competência invejáveis. Equipes pequenas e talentosas que reinventaram o PJSC. E isso ocorreu em todos os cantos, em todas as comarcas, tanto que servidores e juízes migraram para o eproc mais de 2 milhões de processos, sem intercorrências, sem perda de dados, com toda a segurança e qualidade. Servidores e magistrados têm motivos de sobra para sentirem-se orgulhosos do trabalho realizado.
Uma das principais ações da AMC neste ano foi a atuação diante da proposta de reforma da previdência na Alesc e o senhor teve grande participação nisso, apresentando um estudo sobre o tema para a presidência da Associação. Como foi esse diálogo e qual a importância da AMC na defesa dos interesses da classe?
Essa pergunta é muito oportuna porque o tema voltará à pauta da ALESC em breve, provavelmente em fevereiro de 2021. Esse episódio – da reforma da previdência – teve início nos primeiros dias da atual gestão no PJSC, juntamente com a Lei Mansueto, cuja tramitação no Congresso Nacional foi muito dura. Nestes dois momentos, a AMC foi absolutamente fundamental, parceira de primeira linha do PJSC. Trabalhamos juntos, até altas horas da madrugada, não poucas vezes, inclusive quando da votação da LC 173/2020 no Senado Federal, sempre com a presente orientação do Presidente Ricardo (PJSC) e da Presidente Jussara (AMC), para que os rumos das negociações atendessem aos anseios da Magistratura. Esses eventos demonstram, claramente, que precisamos (TJ e AMC) trabalhar sempre unidos, com transparência e articulação, e que isso é possível, respeitando sempre os espaços e características de cada um. De toda forma, quem participou daqueles momentos sabe bem que se não fosse a postura altiva e convergente dos nossos dois presidentes (Ricardo Roesler e Jussara Wandscheer), a reforma da previdência, em sua pior versão, e a Lei n. 173/2020, com os inaceitáveis limitadores à autonomia do PJ, teriam virado realidade. Felizmente, tivemos a ventura de tê-los juntos na defesa dos interesses maiores dos Magistrados.
Ano que vem a AMC completa 60 anos e a Escola Superior da Magistratura, 35. Quais suas principais lembranças da época em que foi diretor da Esmesc, entre 2003 e 2004, e o que espera para os próximos anos da escola?
A ESMESC orgulha a todos nós, simboliza nossa história, é parte importante de nossas vidas. De todos nós. Fui aluno da Escola quando era Auditor Fiscal. Tornei-me Juiz graças ao que ali aprendi. Muitos anos depois, após minha passagem como Juiz Auxiliar na presidência do Desembargador Amaral e Silva, o que também me enche de alegria, fui convidado, veja a curiosa coincidência, pelo então Juiz Ricardo Roesler, candidato à presidência da AMC, para trabalhar ao seu lado, como Diretor-Geral da Esmesc. A tarefa era de enorme responsabilidade, pois a Escola havia sido dirigida por grandes nomes da magistratura. E, ainda mais, eu sucederia o Des. Getúlio Correa, um amigo querido e competentíssimo. Na minha curta gestão, criamos a biblioteca da Escola, capilarizamos ainda mais a estrutura para que mais alunos tivessem acesso à Esmesc no interior do Estado, informatizamos a secretaria, realizamos o primeiro simulado da história da Escola, reorganizamos financeiramente porque, depois de décadas, a Escola funcionaria em prédio próprio, com despesas novas e, por fim, revitalizamos o quadro de professores, aumentando significativamente a remuneração para manter e atrair os melhores quadros, quase 100% formado por magistrados. Junto com o Des. Francisco de Oliveira Neto, Diretor de ensino, reorganizamos as disciplinas e conteúdos programáticos. O mais importante, entretanto, é termos conseguido, em parceria com o CESUSC e graças à intervenção do querido amigo e hoje Ministro do TST, Alexandre Luiz Ramos, transformar o curso regular oferecido pela Esmesc em pós-graduação, o que atraiu grande quantidade de alunos que buscavam, além de um curso preparatório para ingresso na carreira da magistratura, uma qualificação acadêmica importante. Este, certamente, meu maior legado. Depois disso, graças ao dinamismo de todos os colegas que me sucederam, a Esmesc evoluiu e está mais forte do que nunca.
Quais são as perspectivas que o Poder Judiciário catarinense tem para 2021?
As melhores possíveis. Os membros do Órgão Especial, sensíveis ao momento, aprovaram neste final de ano, por unanimidade, a implementação do Auxílio Saúde, o que vai ao encontro com as políticas de valorização verdadeira promovida por essa gestão, que possui um corpo diretivo muito atuante e presente. As finanças estão saneadas e, embora cautelosos, podemos avançar com projetos de melhoria permanente, sempre pensando “na ponta”, nos colegas que fazem a diferença. Além disso, incontáveis projetos em várias áreas estão sendo gestados, tudo com o objetivo de trabalharmos, sempre e mais, para o conforto de todos os magistrados. E, em tudo isso, a AMC possui papel fundamental. Daí nosso agradecimento sincero pela parceria ao longo de todo esse período.