Juiz Luiz Fernando Boller analisa caso da Varig

A Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) publica artigo de autoria do Juiz Luiz Fernando Boller, Diretor do Foro de Tubarão. Intitulado “Causa Mortis: Falência Múltipla”, o artigo discute a situação pela qual passa a Viação Aérea Riograndense, a VARIG.

`CAUSA  MORTIS´: FALÊNCIA  MÚLTIPLA

Sonho de infância. Recordo que em meados da década de 50, quando ainda era garoto lá em Sant’Anna do Livramento-RS., sempre que meu saudoso pai necessitava viajar à Porto Alegre-RS., era a bordo dos Douglas DC-3 da Viação Aérea Riograndense.

Ficava embevecido com a envergadura da aeronave, com o som característico dos motores radiais a pistão Pratt & Whitney… tudo me fascinava.  Inolvidável ficou a lembrança.

Surpreendentemente, cinqüenta anos após – para desalento meu – desperto com profunda tristeza, pesaroso com a dura realidade: a quebra.

A Viação Aérea Riograndense – VARIG – não tem condições de manter as operações até agosto próximo, se a proposta da VarigLog ou outras não forem postas em prática imediatamente. Isso somente acarretaria maiores prejuízos aos credores e para a sociedade.

A VARIG tem até 9 de agosto para vender uma parte da empresa em leilão judicial, e ainda não conseguiu cumprir o pagamento obrigatório de US$ 230 mil previsto no plano, o que pode transformar a recuperação judicial em falência, caso a proposta da VarigLog não seja aprovada.

Todos os meios possíveis para sua reabilitação já foram tentados, sem êxito. A única alternativa real de se manter em atividade seria a rápida viabilização e implementação da proposta apresentada pela VarigLog, desde que detalhada a contento, pois suas operações necessitam de imediata capitalização de forma a possibilitar a sua readequação.

A VARIG deixou de pagar despesas correntes que somam US$ 270.977 milhões de dezembro a abril, pagando US$ 10,2 milhões à IATA, restando, ainda, um saldo negativo de US$ 6,8 milhões.

De dezembro/2005 a maio/2006, a VARIG não honrou o pagamento de US$ 63,554 milhões a empresas de `leasing´. A falta de pagamento poderá reduzir ainda mais a frota da companhia, comprometendo sua capacidade geradora de receita.

O preço mínimo de R$ 277 milhões oferecido pela VarigLog não é real, e a aceitação dessa oferta é prejudicial aos credores em face do que poderiam receber em uma eventual decretação de falência.

Um leilão judicial nas bases sugeridas pela VarigLog não poderia ser levado a efeito, seja porque isso frustraria a competição almejada pelo leilão, criando uma venda direta travestida de uma venda judicial, especialmente porque a venda pelo preço mínimo apresentado pela VarigLog não seria benéfica aos credores e às próprias empresas em recuperação (do grupo VARIG), comparando-se aos valores que poderão ser eventualmente obtidos pela alienação dos ativos em sede de falência.

Aliás, a forma de pagamento do preço mínimo inclui rendimento de debêntures e venda de ativos de credores como o AERUS (fundo de pensão dos funcionários de companhias aéreas). Na realidade, os ativos oferecidos como pagamento seriam equivalentes a apenas R$ 126,962 milhões, e, não, a R$ 277 milhões.

É ululante que o valor real da proposta (R$ 126,9 milhões) é esquálido ao tamanho da dívida com os credores (R$ 7,9 bilhões). Tal pagamento apenas asseguraria a falência das empresas que vierem a permanecer com antiga VARIG (a Rio-Sul e a Nordeste).

A demissão dos demais funcionários geraria um custo de US$ 65 milhões para a  “velha VARIG”.

De acordo com a proposta da VarigLog, o leilão seria pouco competitivo criando uma venda direta sob a roupagem de leilão judicial.

A VarigLog quer que o leilão tenha como preço mínimo R$ 277 milhões, propondo o depósito de US$ 22 milhões em garantias e apresentada uma carta de fiança bancária de US$ 75 milhões. Além disso, a proposta prevê uma multa de 20% sobre o valor mínimo que deve ser repartida pela VARIG e pela ex-subsidiária.

Tais condições não encontram amparo na legislação pertinente.

Não há outros interessados na compra da VARIG. Então, o correto seria apresentar diretamente a proposta para aprovação dos credores em assembléia, do que fazer um novo leilão.

Qual será o preço mínimo ofertado pela VarigLog? Como ficarão as dívidas que permanecerem com a  “velha VARIG” após a venda de suas operações?

A VarigLog já deveria ter apresentado esses detalhes em juízo.

Todavia, limitou-se a repassar ínfimos US$ 11 milhões para bancar os custos com combustível para as aeronaves.

Na verdade, a VarigLog tenta comprar as operações da VARIG. Mas não apresenta em juízo uma solução para viabilizar financeiramente também a parte da empresa que não for comprada, chamada de “velha VARIG”.

O preço mínimo de R$ 277 milhões seria pago com a manutenção, na  “velha VARIG”, de duas aeronaves, imóveis, e o Centro de Treinamento de Tripulantes da empresa aérea.

Além desses ativos, até US$ 20 milhões seriam injetados na empresa aérea antes mesmo da realização do leilão. O AERUS receberia debêntures no valor de R$ 50 milhões e prazo de vencimento de dez anos. As debêntures seriam conversíveis em ações, correspondendo a até 5% do capital da VARIG.

Além disso, a VarigLog teria intenção de comprar a participação de 5% do AERUS na própria VarigLog, pela bagatela de R$ 24 milhões. Evidente que o AERUS, não está satisfeito com a proposta.

A proposta da VarigLog também inclui a injeção de US$ 75 milhões na VARIG na data da homologação do leilão pela Justiça, mais US$ 75 milhões, 30 dias depois, além de recursos financeiros adicionais no valor de até US$ 215 milhões, com base em cronograma de investimento definido em `plano de negócios´.

Os valores seriam prioritariamente para capital de giro, reservas de caixa, recuperação de aeronaves, renegociação de valores devidos às empresas de leasing, aquisição e arrendamento de mais aviões, negociação de fornecimento de combustíveis e utilização de infra-estrutura aeroportuária.

Ora, o preço mínimo de R$ 277 milhões oferecido pela VarigLog não é real, e a aceitação dessa oferta é prejudicial aos credores em face do que poderiam receber em uma eventual decretação de falência.

A proposta de recuperação judicial da VARIG foi aprovada pelos credores da classe 1 – que é formada pelos trabalhadores – e contou com o voto favorável das estatais. A principal rejeição partiu das empresas de `leasing´, que até então preferiam se abster nas votações. Para aprovar o plano, a proposta deveria ser aprovada proporcionalmente pela maioria dos detentores de créditos e por cada uma das categorias dos credores.

Na classe 2 de credores – formada pelo fundo de pensão AERUS e pelas empresas de `leasing´ – a proposta foi rejeitada por 94,4% na contagem individual. Em termos de volume de crédito, o contingente que vetou a proposta correspondia a 5,8% dessa classe.

Já na classe 3 – que envolve estatais e também empresas de leasing – embora apenas 18,8% dos credores em volume de crédito tenham rejeitado a proposta, a desaprovação bateu em 57,1% dos votos na contagem `per capita´.

Como a proposta foi recusada, há espaço para a decretação de falência, visto que, indiscutivelmente, a VARIG não conseguirá manter suas operações até agosto próximo.

A crise da VARIG se agravou nos últimos meses. O acervo caiu de modestas 58 aeronaves em dezembro/2005, para ínfimos 13 aviões em julho/2006.

A receita de vôo líquida recuou 83,3% no período.

As operações da VARIG têm sido mantidas à custa de uma linha de crédito oferecida pela VarigLog no valor de US$ 20 milhões (R$ 44 milhões). Deste total, a VARIG já recebeu US$ 13 milhões (R$ 28,6 milhões).

A “velha VARIG” – fatia da empresa que não será vendida e que carrega as dívidas de R$ 7,9 bilhões – terá um fluxo de caixa anual de R$ 19,6 milhões, com receitas provenientes de serviços do Centro de Treinamento de Tripulantes, contratos de locação de aeronaves acompanhada de tripulação, aluguel de imóveis, vôos `charter´ e operação regular da Nordeste.

Para convencer os credores das mudanças no plano de recuperação, a VARIG ofereceu os recursos de ações contra a União por defasagem tarifária e contra os Estados referentes a ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). O AERUS tem prioridade no caso da ação contra a União e o Banco do Brasil na questão do ICMS. Além disso, 70% do fluxo operacional da  “velha VARIG” foi oferecido às demais estatais e empresas de leasing.

Será que a VarigLog assumiria também obrigações do programa de fidelidade “SMILES”?

Será que o atual quadro de mais de 10 mil empregados seria absorvido pela “nova VARIG”?

Sinceridade e a transparência na relações comerciais são fundamentais.

Apesar de algumas vezes dolorosa, a verdade é necessária: não há previsão de recursos para pagar os R$ 7,9 bilhões em dívidas.

A VARIG pára de voar até agosto se não for imediatamente vendida.

E onde estão os interessados na compra?

Sejamos realistas: com hercúleo passivo a descoberto, a Viação Aérea Riograndense está falida.

Fonte: Assessoria de Comunicação Social da AMC

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