Encontro sobre infância e juventude reúne Magistrados de todo o país em Florianópolis

A necessidade do olhar restaurativo e da comunicação não violenta no Sistema Socioeducativo norteou o início dos trabalhos do VIII Encontro Nacional de Juízes da Infância e da Juventude – De onde viemos? Para onde vamos?, na manhã desta quinta-feira (8/9), no auditório da Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC).

A abertura do encontro, que faz parte da grade de cursos tradicionais da Escola Nacional da Magistratura (ENM), contou com uma homenagem ao Desembargador aposentado Antônio Fernando do Amaral e Silva. Ele foi um dos poucos Juízes a participar da redação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), há quase 26 anos. “Aqui estão aqueles que têm a missão de levar a bandeira que o Desembargador Amaral empunhou. Isto em uma época que não era fácil para um magistrado fazer. Por isso eu afirmo que para ser juiz não é suficiente o conhecimento técnico, que é indispensável. É fundamental ter coragem. E eu estou ao lado de um homem corajoso”, ressaltou o Juiz João Batista da Costa Saraiva.

Emocionado, o Desembargador Amaral agradeceu o reconhecimento. “Transfiro esta homenagem aos desbravadores deste novo Direito, da doutrina da proteção integral, aos magistrados que se colocam à frente na luta pelas garantias. O papel dos mais antigos é de abrir caminhos para os mais novos, dar força. Para onde vamos agora depende de vocês”, destacou.

Na sequência, o Procurador do Ministério Público do Rio Grande do Sul Afonso Armando Konzen debateu sobre a questão da segurança e a necessidade do olhar restaurativo no Sistema Socioeducativo. “Segurança é sinônimo de confiança. Acho que é preciso mudar aquele entendimento que a ‘a minha liberdade começa onde termina a do outro’ para ‘a minha segurança começa onde começa a do outro’. Em uma comunidade socioeducativa, o individuo só se sentirá seguro se o outro também se sentir”, pontuou. Konzen fez, ainda, críticas ao Sistema de Segurança Pública. “Os policias militares são treinados para a repressão, para o enfrentamento. É só darmos uma olhada na atuação da PM em todo o país e veremos o resultado deste modelo. Acho que, diante disso, é fundamental refletirmos para onde vamos e de que forma podemos alcançar resultados práticos”, disse.

Depoimento Especial e trabalho escravo infantil em debate

O primeiro painel da parte da tarde teve como tema “Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes”, com a participação do Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), José Antonio Daltoé Cezar, a Juíza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Cristiana de Faria Cordeiro, e a Juíza catarinense Brigitte Remor de Souza May (coordenadora). Daltoé mostrou aos presentes como funciona e como poder ser feitas as audiências para colher depoimentos de crianças e adolescentes vítimas de violência. Ele destacou que o sistema exige profissionais capacitados. “As pessoas precisam saber como fazer. Boa vontade é importante, mas estudar para saber como fazer é imprescindível”, assinalou, acrescentando que é fundamental ouvir o relato das vítimas.

A Magistrada carioca também destacou a importância da capacitação dos profissionais que atuam nesta área. “Não fomos preparados para ouvir, entrevistar (as vítimas)”, analisa. Ela também criticou e lamentou a existência de uma cultura machista, misógina, que permeia toda a sociedade e o quanto ela ainda afeta as decisões judiciais.

Na seqüência, teve início o painel “O combate ao trabalho escravo infantil, que contou as apresentações do Juiz do Trabalho do TRT 8, Jonatas Andrade, do presidente da Fundação Telefônica, Américo Mattar, e com a coordenação da Juíza catarinense Ana Cristina Borba Alves. O primeiro palestrante abordou o drama existente na região Norte do País e o trabalho desenvolvido, com foco na educação, que tem tirado crianças e adolescentes das condições de trabalho análogas à escravidão. “Temos obtido bons resultados que ajudam a diminuir a difícil realidade que encontramos no Pará”, disse.

Já o presidente da Fundação Telefônica (Vivo) destacou o trabalho social realizado pela operadora de telefonia em favor de crianças e adolescentes. Para ele, ainda é muito comum a sociedade ver o trabalho infantil como algo positivo. “Adolescentes que trabalham mais cedo em vez de estudar, começam evidentemente a ganhar dinheiro antes. Mas futuramente vão ganhar menos do que aqueles que podem dedicar integralmente o seu tempo aos estudos. A educação é a chave da transformação”, sublinhou.

Profissionais do Sistema Socioeducativo debatem importância da interdisciplinaridade

Cinco profissionais que atuam no Sistema Socioeducativo abordaram, na manhã desta sexta-feira (9/9), os aspectos e desafios da interdisciplinaridade. Com o tema “De Onde Viemos? Para Onde Vamos? O olhar da interdisciplinaridade”, o painel deu seguimento aos trabalhos do VIII Encontro Nacional de Juízes da Infância e da Juventude, no auditório da Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC).

A Assistente Social Carla de Barros Leiras destacou a importância de manter o foco na garantia de direitos e do trabalho em equipe. “É preciso articular nossa reflexão e nossa prática com outras categorias profissionais, conhecer suas estratégias, estabelecer alianças. Não há como trabalhar a interdisciplinaridade sem o trabalho em equipe”, falou.

Já a psicóloga Helena Berton Eidt destacou que o comportamento violento destes adolescentes, em sua esmagadora maioria, é reflexo do meio em que vivem. Segundo dados do CASA/SP, 86% dos adolescentes do Sistema Socioeducativo sofreram violência. Na sequência, o Juiz Alexandre Karasawa Takashima compartilhou dados do KidsRights Index, ranking que avalia o nível de envolvimento da comunidade internacional quanto aos direitos de crianças e adolescentes. O índice de 2016 mostra que o Brasil caiu 64 posições e ficou em 107º em ranking de direitos da criança. “Acho que temos que aprender com o pessoal da Administração e nos profissionalizar em algumas questões, como o planejamento estratégico, por exemplo. Além disso, acho que falta dialogo entre todos os envolvidos. Cada comarca, cada Juiz, tem sua maneira de interpretar o ECA”, pontuou.

O Defensor Público de São Paulo Flávio Américo Frasseto ressaltou que um dos aspectos mais marcadamente antigarantistas da Justiça da Infância é a histórica tradição concentradora de poder na figura do Juiz. “É preciso aproximar o Judiciário das redes de atendimento e estabelecer um diálogo continuo, pois as equipes interprofissionais mitigam esta mesma tendência centralizadora”, disse.

Finalizando o debate, o Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) Reinaldo Cintra Torres de Carvalho enfatizou a urgência de se evitar o retrocesso na garantia de direitos, obtidas ao longo dos últimos 25 anos, desde a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “A ideia da redução da maioridade penal, a ideia de que bandido bom é bandido morto. O retrocesso está vindo a galope e, se nada for feito, vai nos derrubar. Precisamos segurar o avanço desta sociedade violenta e egoísta. Nós podemos ir para onde quisermos, basta sabermos para onde queremos ir”.

Evento encerra com painéis sobre os desafios da socioeducação e voluntariado

O VIII Encontro Nacional dos Juízes da Infância e Juventude retomou os trabalhos na tarde de sexta-feira, com o painel "De onde viemos! Para onde vamos: os desafios da socioeducação na atualidade. Quais as mudanças imprescindíveis? Participaram dos debates Paulo Afonso Garrido de Paula, procurador do MP de SP; João Batista da Costa Saraiva, Juiz do T/RS; Vera Lúcia Deboni, Juíza do TJ/RS (coordenadora); e o Desembargador catarinense Antonio Fernando do Amaral e Silva.

Garrido lembrou que há não muito tempo, as crianças e adolescentes não eram vistas como sujeitos de direitos. “Elas simplesmente não existiam para o mundo jurídico. Elas começaram a aparecer por causa da infração. É preciso vencer esse obstáculo cultural e principalmente resgatar a credibilidade do sistema socioeducativo”, frisou. Saraiva, por sua vez, defendeu reformas que aprimorem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Nesses 26 anos (do ECA) não avançamos e a responsabilidade não é só dos governos, é nossa também”, ressaltou. Para ele, é preciso agir com urgência para impedir a aprovação da redução da maioridade penal.

Logo após, houve a apresentação do projeto Cidades Invisíveis, projeto coordenado pelo fotógrafo e advogado Samuel Schmidt, que há três anos realiza registros fotográficos do cotidiano de lugares como Frei Damião, Monte Cristo, Chico Mendes e Vila Aparecida, e produz quadros e camisetas a partir das imagens realizadas.

Último painel do Encontro Nacional de Juízes da Infância e Juventude contou com a participação do padre Vilson Groh e do presidente da Pastoral do Menor, Andrea Franzini, com a coordenação da Juíza catarinense Ana Cristina Borba Alves. Groh destacou as ações realizadas pelo instituto que leva o seu nome, que tem ajudado a livrar crianças e adolescentes da criminalidade e da violência, além de encaminhá-los para a educação e para o trabalho. Ele destacou também as parcerias com a iniciativa privada, que tem ajudado a aproximar as realidade do morro e do asfalto. “É importante a gente conhecer melhor essa realidade e ver como ela funciona e para que eles também conheçam o nosso cotidiano”, comentou. Já Andrea detalhou a realização de uma campanha que visa dar oportunidade para crianças e adolescentes. “Ninguém nasce infrator. A oportunização de dignidade humana é fundamental e por isso temos essa necessidade gigantesca de formar uma sólida parceria com os Juízes para garantir o sucesso desta campanha”, arrematou.

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