Ministro Buzzi e sociólogo Burgos analisam aspectos ligados ao ativismo judicial e judicialização da política

O Congresso Estadual de Magistrado abriu os trabalhos, na tarde de sábado, no Plaza Itapema Resort & Spa, em Itapema, com o painel “Ativismo Judicial e Sociedade”, mediado pelo Corregedor Geral de Justiça/SC, Desembargador Vanderlei Romer, tendo como palestrantes o Ministro Marco Aurélio Gastaldi Buzzi (STJ) e o Cientista Social Marcelo Baumann Burgos (Pontifícia Universidade Católica/RJ).

Após a apresentação dos palestrantes, o mediador passou a palavra ao ministro Gastaldi Buzzi, que iniciou com uma abordagem sobre as diferenças entre ativismo judicial e judicialização da política. Para Buzzi, o ativismo da Justiça – ou postura pró-ativa do juiz – enseja na judicialização das questões políticas, justamente pela negligência do Estado. Segundo ele, para investigar questões alusivas a estas duas vertentes torna-se imprescindível chamar a atenção para os modelos de sistema judicial anglo-saxão e romano. “O modelo romano é o mais seguro, mas menos justo. Em contrapartida, o modelo anglo-saxônico é o mais justo, mas menos seguro”, comentou, acrescentando que o Brasil adotou o modelo romano, tendo influência do direito germânico, o qual permitiu aos juízes atuar com mais equidade, a partir de novos institutos jurídicos.

O ministro destacou, ainda, que, passados mais de 20 anos, a Constituição Federal brasileira segue sem eficácia completa, o que obriga o Judiciário a tomar posições. Para ele, muito que se fala sobre ativismo na verdade se refere a uma conduta pró-ativa do juiz de Direito, para além das suas obrigações funcionais. A judicialização da política, por outro lado, continua, se dá, justamente, pela falta de concretização de direitos básicos do cidadão, como saúde, educação e segurança pública. O magistrado complementa dizendo que as atuações da Justiça acabam atraindo a atenção da opinião pública (como no caso das deliberações sobre o uso de células-tronco; demarcação de terras indígenas; uso de algemas; direito de greve, etc.) e, por vezes, críticas, acerca da legitimidade para atuar em tais searas.

Para Buzzi, a transferência de poder político para o Judiciário tem três causas: redemocratização do país; constitucionalização; e sistema de controle de constitucionalidade. “A judicialização acontece quando há um déficit em relação à atuação dos outros poderes. O ativismo se dá na atuação protagonista e construtiva do magistrado, frente a temas mesmo já disciplinados, sobre os quais ele passa a deliberar. E isso é importante, pois o juiz é também um pensador do Direito e não apenas operador da Justiça. A Justiça não pode administrar, porém pode fazer ajustes. A atuação ativa não é só legítima, mas necessária. O Judiciário não pode ser visto como um dos órgãos responsáveis pela democracia e ao mesmo tempo insensível aos fundamentos da cidadania. Entretanto, esse ativismo não deve ser ilimitado, sob pena de criarmos uma ‘ditadura da toga’. Por isso, as decisões devem ser racionalizadas, bem fundamentadas, para evitar arbítrios irreparáveis. De modo que cautela é fundamental aos julgadores, uma vez que possuem em suas mãos um instrumento político que interfere na dignidade humana”, assinalou.

O sociólogo Marcelo Tadeu Bauman Burgos, por sua vez, complementou dizendo que a fragilidade política do País, que provocou graves desigualdades e restrição a direitos fundamentais, fez com que o cidadão recorresse cada vez mais ao Judiciário, transformando-o em pouco tempo em centro da vida pública e da democracia brasileira. “Do ponto de vista da sociologia, o ativismo tem enorme repercussão para pensar a relação entre os poderes e os riscos da experiência democrática brasileira. Nos anos 90, quando começamos a nos apropriar do conceito de judicialização, a gente demarcou claramente a fronteira entre judicialização e ativismo. Era fundamental deixar claro essa diferença. O ativismo sugeria um papel substitutivo por parte do Judiciário. E o fenômeno brasileiro estava longe do ativismo, era mais uma judicialização”, ressaltou.

Outro aspecto levantado por Burgos foi o uso crescente das ações diretas de inconstitucionalidade por parte da classe política, especialmente pela oposição, representada, na época, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), mobilizando o Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de rever decisões do Legislativo e do Executivo. “Não havia uma postura do STF favorável, simpática, ao instituto das adins. O que houve foi uma espécie de consagração desse instrumento por parte do PT”, analisou.

Burgos destacou ainda que o intenso processo de judicialização vivido pelo País na década de 90 é fruto em parte da enorme gama de direitos contidos na Carta de 88 e que não foram devidamente implementados. “O quadro de 88 era de uma sociedade brutalizada, industrializada, com um individualismo crescente. É com esse quadro que a ordem jurídica passa a lidar. Surge então o protagonismo do Direito como instituinte da vida brasileira. A Constituição de 88 estabilizou a democracia liberal no País. Essa obra de arte (CF/88) trata do equilíbrio da ordem jurídica, que passa a se descolar para o campo da cidadania. As desigualdades sociais passam a abrir caminhos para a judicialização. Os atores (cidadãos) vão ao Legislativo, mas também vão ao Judiciário”, disse.

 

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