“Juízes não são justiceiros e devem se ater às provas”

Por Suélen Ramos

A Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) dá seguimento à série de entrevistas sobre o julgamento da Ação Penal 470 – o "Mensalão" – pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com a análise crítica de Magistrados do Poder Judiciário de Santa Catarina, sobre o tema. Na quarta entrevista da série, o Juiz Fernando de Castro Faria, da comarca de Joinville, opina sobre o andamento do julgamento iniciado em 2 de agosto e que, até o momento, condenou 22 dos 38 réus, dentre eles o Deputado Federal do PT, João Paulo Cunha, o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, a ex-presidente do Banco Rural, Kátia Rabello e o ex-tesoureiro do PL Jacinto Lamas.

Na entrevista, o Magistrado afirma que o trabalho dos Ministros não tem sofrido influências políticas e que, independente da imagem que será refletida do STF por conta do julgamento do Mensalão, é muito importante que as provas sejam rigorosamente analisadas para evitar que sejam cometidas injustiças, por conta da pressão popular.

 

"Juízes não são justiceiros e devem se ater às provas"

 

O senhor acredita que a opinião pública nesse momento sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) pode atrapalhar ou até mesmo influenciar no julgamento do mensalão?

Creio ter havido pressão da opinião pública e imprensa sobre o início do julgamento, principalmente porque alguns crimes poderiam (e podem) prescrever. Por conta de tal fato e pela importância do julgamento para a vida política do país, o STF acabou acelerando a colocação em pauta, tanto é que o presidente, Ministro Ayres Brito, cobrou a liberação por parte do Ministro revisor. Mas quanto ao mérito, o STF tem sido bastante independente, pelo que se observa, tanto ao absolver diversos réus integralmente ou de algumas acusações, quanto ao condenar figuras importantes da política brasileira. Importante ressaltar que no julgamento de qualquer pessoa por parte do Judiciário devem ser observadas as provas do processo, a validade dessas provas, a conduta do réu e a ofensividade ao bem jurídico que a lei pretende preservar. O exame desses pontos é que leva à condenação ou não, pouco importa quem seja o acusado. 

Em sua opinião, o julgamento tem sido rigorosamente técnico e não político?

Tem sido técnico, apesar de haver divergências quanto ao que se entende por prova (e seu ônus) e por indícios. Mas não tem havido, felizmente, espaço para saídas políticas, tanto assim que o STF, composto em ampla maioria por Ministros indicados por Lula e pela atual Presidente Dilma, tem condenado políticos pertencentes ao mesmo partido ou da chamada base aliada do governo. Houvesse a propalada interferência, o resultado não seria o ora visto.

E sobre a formação do STF, cuja indicação dos Ministros é feita pelo Presidente da República em exercício. Isto deveria mudar?

A Presidente da República tem observado critérios técnicos em suas indicações, valorizando aqueles que possuem formação acadêmica e a experiência de julgar. Há diversos movimentos para modificar a forma de nomeação para o STF, uma delas, inclusive, prevê que apenas Juízes de Direito de carreira poderiam ser indicados. É um critério, mas excelentes nomes, igualmente, podem vir do Ministério Público ou da Advocacia. A meu ver, qualquer modificação na forma de indicação deve ser precedida de ampla discussão com a comunidade jurídica e com a sociedade em geral, posto que importa na composição da mais alta Corte do país, responsável pela guarda da Constituição e, dessa forma, do Estado Democrático de Direito, dos direitos e garantias fundamentais, dos Direitos Sociais etc. O que não se admite é a dominação das indicações por parte de um partido político apenas. Também não se concebe que o Senado não exerça bem sua missão de aprovar ou não o nome do indicado por ocasião de sua sabatina. Em outros países, o modelo é o mesmo do Brasil, mas a indicação do presidente é rigorosamente avaliada pelo Senado. Em 2009, a juíza Sonia Sotomayor foi indicada à Suprema Corte americana e sua sabatina, conforme relato extraído do site Consultor Jurídico (www.conjur.com.br) durou quatro dias, sendo 9 horas diárias de questionamentos sobre questões polêmicas e sobre sua forma de pensar, tendo ainda que passar por entrevistas com os senadores. Aqui, infelizmente, pouco se exige do candidato sabatinado. Em alguns casos, por exemplo, senadores propuseram a não formulação de perguntas, posto que o currículo do candidato fosse o suficiente. Perde-se, portanto, a oportunidade de aprimorar o processo de escolha.

O julgamento do “Mensalão” melhora ou piora a imagem do Poder Judiciário perante a sociedade?

No caso da Ação Penal 470, conhecida por ‘Mensalão’, a população aguarda ansiosamente o resultado final. Tenho acompanhado pela internet essa movimentação. Há um desejo muito forte pela condenação. Entretanto, como disse anteriormente, as provas devem ser rigorosamente analisadas, sob pena de se cometer irreparável injustiça. A julgar pela coincidência desse desejo popular com as condenações proferidas até o presente momento, é certo que o Judiciário acaba melhorando sua imagem perante a comunidade, na medida em que esta tem o retorno daquilo que aguardava. Mas o mais importante é que a imagem do Judiciário não saia arranhada de qualquer julgamento quando o juiz absolver alguém por falta de provas, por exemplo. Isso é próprio da democracia e muitas vezes o Judiciário decide contra a opinião pública ou, como se diz, contra majoritariamente. Juízes não são justiceiros e devem se ater às provas, sem o que absolvem para resguardar o direito de todo cidadão, por mais grave que seja a acusação, ao devido processo legal e à liberdade.

O que o senhor acha da exposição do Poder Judiciário nesse momento, levando em conta as divergências entre os Ministros, no julgamento da AP 470, principalmente entre o relator e o revisor do processo, os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski?

Essas divergências públicas e acirradas não contribuem em nada, nem para o julgamento, nem para a imagem do Judiciário, ao contrário. O julgamento colegiado é marcado pela possibilidade de divergência entre os julgadores, mas isso não deve ultrapassar o campo do debate técnico e deve ser objeto de discussão em alto nível.

O senhor acha que a justiça deveria criar mais varas ou redobrar a atenção de crimes contra a administração pública, para que não se chegasse a um julgamento do porte do “Mensalão”?

O chamado mensalão não decorreu da falta de estrutura do Judiciário, mas do fato de um dos acusados, descontente com algo, ter tornado público o assunto. São delitos difíceis de serem identificados sem um delator, como ocorreu. Por outro lado, o Judiciário está sobrecarregado há muito tempo. Varas especializadas facilitam o trabalho e possibilitam o julgamento mais célere, mas há um excesso de litígio que precisa ser analisado. É correto o Judiciário ser acionado para resolver causas insignificantes? Será que o Judiciário não está sendo acionado demais? Para reverter esse quadro, há movimentos e campanhas em prol da conciliação, ou seja, da resolução amigável e até mesmo antes de qualquer processo judicial. No campo penal, o que se vê é um sem-fim de demandas relacionadas a crimes contra o patrimônio praticados, via de regra, por usuários de drogas. Não se investe adequadamente em prevenção e em tratamento para dependentes químicos. O juiz e os órgãos de investigação, portanto, ficam com boa parte do seu tempo ocupado com questões que poderiam ser resolvidas de outra forma. A permanecer tal situação, não terão muito tempo para as demandas realmente importantes, como ocorre na defesa da moralidade e da probidade, por exemplo. Mas em meio a tanta demanda, o juiz deve, sim, redobrar sua atenção para que os casos mais importantes sejam julgados logo, seja qual for o resultado, após o devido processo legal. Deverá dar conta dos casos mais importantes e complexos e ao mesmo tempo das metas impostas pelo CNJ, que, com o devido respeito, insiste em tratar processo judicial como linha de produção.

O senhor acha que o julgamento do “Mensalão” vai influenciar no trabalho dos magistrados no país, daqui em diante?

Alguns juristas afirmam que haverá mudança de entendimentos a respeito da prova no processo penal e da chamada tipicidade (adequação do fato ao que prevê a norma penal) de alguns delitos a partir do julgamento do mensalão, tendo em vista a nova orientação da Corte. Entretanto, qualquer nova interpretação deve ser rigorosamente analisada para que não represente qualquer violação ao devido processo legal e às garantias do acusado, seja ele quem for. Por outro lado, há um legado imediato e positivo que é a crença nas instituições democráticas e que todos, absolutamente todos, devem respeito às leis, principalmente os que tratam com a coisa pública.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *