“O julgamento do mensalão estabelece novo marco para a atuação da Justiça Criminal no Brasil”

Por Suélen Ramos

A Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) publica, a partir de hoje, uma série de entrevistas com magistrados do Poder Judiciário de Santa Catarina, sobre o julgamento da Ação Penal 470 – o "Mensalão" – pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na primeira entrevista da série, o Juiz de Direito de 2º Grau Rodrigo Tolentino de Carvalho Collaço, da 4ª Câmara de Direito Público da Capital, opina sobre o andamento do julgamento iniciado em 2 de agosto e que, até o momento, condenou oito réus, dentre eles o Deputado Federal do PT, João Paulo Cunha, e o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato. 

Na entrevista, o magistrado afirma que o julgamento do "Mensalão" é um divisor de águas na história do Judiciário no Brasil, devido à condenação de pessoas poderosas e que supostamente estariam acima da Lei. Para Collaço, o Brasil viverá, a partir de agora, uma realidade democrática, “uma realidade bem vinda”.

 

“O julgamento do mensalão estabelece novo marco para a atuação da Justiça Criminal no Brasil”

 

1. O senhor acredita que a opinião pública sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) pode atrapalhar ou influenciar o julgamento do mensalão?

Eu entendo que a opinião pública está presente em muitos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, a respeito do aborto, por exemplo, e de uma série de outras questões. Ela exerce seu papel dentro de uma sociedade democrática e pluralista. Mas, o fato de a opinião pública se manifestar e de as pessoas no Brasil terem certo desejo de acabar com a impunidade, não interfere em absolutamente nada no que toca ao trabalho dos ministros. O julgamento do "Mensalão" tem sido feito pela televisão, ao vivo, de forma absolutamente transparente. Como todos têm observado, a argumentação dos ministros pode divergir, mas ela é completamente técnica. Na verdade são aulas de Direito Penal que têm sido dadas aos cidadãos pelo Supremo Tribunal Federal.

2. Então, em sua opinião, o julgamento tem sido rigorosamente técnico e não político?

Eu acho que o julgamento tem sido benéfico para o País. Primeiro por quebrar uma tradição secular de impunidade.  Segundo, porque o Judiciário tem mostrado que a Justiça é cega, mas não é boba. E terceiro, porque nós temos visto que não é a indicação político-partidária que faz com que os juízes deixem de lado a independência da toga.

3. E sobre a formação do STF, cuja indicação dos ministros é feita pelo Presidente da República. Isto deveria mudar?

Eu considero que o sistema de indicação dos ministros no Brasil não é perfeito e não é o melhor. Não tanto por ser feita pelo Presidente da República, mas muito porque a audiência de sabatina a que os ministros são submetidos pelo Senado Federal é só "pro forma", ou seja, é uma sessão que acaba sendo transformada em uma ocasião de homenagem, quando o Senado deveria fazer uma investigação profunda sobre a carreira, a vida, a conduta e o pensamento daquele magistrado que é indicado pelo Presidente para assumir lugar no STF. Com isso, nós acabamos tendo um processo defeituoso, por omissão do Legislativo. Mas, de qualquer modo, o "Mensalão" tem sido positivo para deixar bem claro que o Juiz, quando veste a toga, se transforma em uma figura imparcial. Hoje nós temos a maioria dos ministros nomeados pelo governo do PT e, mesmo assim, eles têm julgado e condenado pessoas que integram esse mesmo quadro partidário, que é também uma situação muito positiva para o Judiciário, que reafirma seu compromisso com a sociedade e com a independência, dando a possibilidade de criarmos um novo momento no País.

4. O julgamento do "Mensalão" melhora ou piora a imagem do Poder Judiciário perante a sociedade?

Eu acredito que melhora porque até então nós havíamos tido pouquíssimos julgamentos no Supremo envolvendo pessoas detentoras de poder político e econômico, como as que estão sendo julgadas por conta do mensalão. Essa falta de julgamentos era atribuída a um desejo do Judiciário de não enfrentar os poderes econômico e político. Porém, com esse julgamento, o Judiciário quebra essa imagem que a sociedade tinha e dá uma resposta a ela – independentemente de condenar ou absolver os réus – que aguardava há algum tempo, uma a apreciação judicial dos acontecimentos que tiveram tanta repercussão política. Independente dos resultados, eu só vejo aspectos positivos nos julgamentos que o Supremo tem feito até o momento.

5. O que o senhor acha da exposição do Poder Judiciário nesse momento, levando em conta as divergências entre os ministros, no julgamento da AP 470, principalmente entre o relator e o revisor do processo, os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski?

Isso é uma surpresa para a sociedade que imagina que as decisões judiciais são sempre tomadas por unanimidade. Para nós que somos do setor é absolutamente normal e saudável a divergência, pois é através dela que se constroem os grandes avanços na jurisprudência, na aplicação do Direito. Não há nada de extraordinário no fato de uma questão jurídica ser vista por dois ângulos totalmente diferentes. Mas, de qualquer maneira, o que eu acho positivo e fundamental nesse processo é que quem concorda ou discorda de alguma coisa tem exposto seus argumentos de forma clara. E isso é o fundamental.

6. O senhor acha que a Justiça deveria criar mais varas ou redobrar a atenção sobre crimes contra a administração pública, para que não se chegasse a um julgamento do porte do mensalão?

O grande problema a meu ver é o foro privilegiado. Os que têm mandato político gozam do direito de serem julgados no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, mas esses tribunais não foram criados e não têm estrutura para instruir e julgar processos, pois sua função é controlar a constitucionalidade e a legalidade das decisões judiciais. Porém, muitos políticos se valem disso para obter a impunidade. Eu imagino que se esses tribunais se aparelharem para julgar rapidamente, delegando a juízes de todo o País, acho que daríamos um duro golpe na impunidade.

7. O senhor acha que o julgamento do "Mensalão" vai influenciar no trabalho dos magistrados no país, daqui em diante?

Tenho certeza que influenciará. Primeiro porque o Supremo está, por meio desse julgamento, modernizando a aplicação da Lei Penal, que é uma legislação antiga e deve, evidentemente, ser adaptada ao mundo digital, às formas de atuação do poder, e essa adequação tem sido feita com bastante brilho pelos ministros, que têm partido de indícios para chegar a conclusões. Na minha visão, esse julgamento tem estabelecido novos marcos para a atuação da justiça criminal no Brasil, principalmente ao criar condições para que os juízes de maneira geral possam condenar crimes de corrupção, envolvendo pessoas detentoras de poder político e econômico.

 

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